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Quem pode tomar decisões médicas por você no fim da vida?

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Imagem: Thinkstock

Paula Span

07/10/2015 06h00

O homem inconsciente na casa dos 90 anos foi trazido ao pronto-socorro onde o doutor Douglas White fazia atendimento intensivo. A equipe não conseguia encontrar parentes para tomar decisões médicas em seu nome.

"Ele viveu mais que toda a família. Não conseguimos localizar amigos. Chegamos até a pedir que a polícia batesse na casa dos vizinhos", contou White, que agora dirige um programa de ética no Centro Médico da Universidade de Pittsburgh.

Igualmente, não se encontraram instruções. No final, o comitê de ética do hospital teve de ajudar a equipe médica a decidir se o mantinha ligado a aparelhos.

Especialistas descrevem pacientes do gênero como "sem amigos". Porém, você também pode ficar assim, ainda que tenha amigos e família, se estiver incapacitado e não tiver designado ninguém confiável como um procurador para assuntos de saúde.

Dificilmente se diria que Elizabeth Evans é incapaz de tomar uma decisão agora -- ou que não tenha amigos. Voluntária tarimbada, ela gosta de leitura, jardinagem e consegue dirigir por cinco minutos até o supermercado. Com quase 89 anos e usando um andador, ela ainda mora em sua fazenda em Pittsburgh. Lentamente, Elizabeth está se recuperando da morte do marido, Jerome, no ano passado.

O trauma a deixou com convicções claras quantas às suas decisões para o final da vida. "Depois de ver meu marido ligado a aparelhos, com tudo que eles fazem, eu não quero isso para mim", ela declarou.

Porém, se Elizabeth não puder expressar sua vontade durante uma crise de saúde, quem irá falar em seu nome? O casal não teve filhos. O irmão, que mora a uma hora dali, tem 97 anos; a irmã caçula reside na Virgínia. Do grupo mais próximo de amigas locais, duas morreram.

"Não sou daquele tipo de pessoa que se preocupa com alguma coisa antes que aconteça", disse ela. Assim, embora o médico lhe tenha dado um formulário com instruções para preencher, ela não o fez. Nem falou com a irmã ou as amigas sobre seus desejos.

Durante uma entrevista telefônica, Elizabeth pensou em pedir ao advogado ou médicos de confiança para servirem como procuradores. Porém, na Pensilvânia, como em muitos dos Estados dos EUA, a lei impede o provedor de serviços médicos assuma essa função.

Se ela ficar desorientada em um pronto-socorro, assistentes sociais podem ter que correr atrás de seus parentes. A equipe hospitalar considera sem amigos a pessoa cujos familiares não estão disponíveis para tomar decisões.

Muitas pessoas já se encaixam nessa categoria problemática. Dezesseis por cento dos pacientes de unidades de tratamento intensivo na costa oeste dos EUA se encaixam nessa classificação, segundo estudo de 2007 do qual White é um dos autores. Outro de seus estudos informou que, dos pacientes de UTI que morreram, 5,5 por cento não tinham amigos ou -- especialistas em éticas preferem um termo mais exato e menos estigmatizador -- não contavam com representantes.

Os números devem aumentar à medida que a população envelhece, em parte porque o índice de demência se eleva com a idade. "Vimos um padrão crescente: mais e mais pacientes sem capacidade de decidir, sem procuradores e que não preencheram o formulário com instruções", afirmou Martin Smith, diretor de Ética Clínica da Clínica Cleveland.

Os tipos de idosos sem representantes também podem mudar. No passado, muitos eram marginalizados -- sem-teto, viciados, doentes mentais, alienados. A geração dos "baby boomers" (1945-1964), com um índice maior de casais sem filhos e divórcios, tem famílias menores e mais móveis, com ciclos de vida mais longos. "Eles podem ter uma vida bastante comum e viver mais do que todos à sua volta", disse White.

Hospitais, agências públicas, pesquisadores e legisladores vêm lidando com essa questão, embora não com a velocidade necessária, e estão criando uma série de ajustes. Por exemplo, alguns Estados estão ampliando os procuradores autorizados por lei.

Na maioria deles, estatutos especificam quais parentes podem autorizar ou não procedimentos médicos, no caso de um paciente que não tenha designado alguém para tomar uma decisão: primeiro cônjuges, geralmente seguidos por irmãos e filhos adultos.

É preciso reconhecer que, de todos os destinos que uma pessoa sem representantes teme, os desdobramentos em uma UTI podem importar muito menos do que os anos que levaram até aquele momento. Em uma sociedade que se vale tanto de cuidadores familiares, quem vai oferecer a ajuda no dia a dia que a maioria dos idosos pode precisar se não tiver parentes? Essa pergunta, dizem-me os leitores, os mantêm acordados à noite.

Entretanto, no que diz respeito ao atendimento médico, as pessoas podem reconhecer que se encaminham ao status de sem amigos se não tiverem um parente próximo para representá-las. Elas podem tomar medidas preventivas, convocando amigos ou familiares mais distantes como procuradores. Se puderem pagar, as pessoas podem recorrer a advogados, gerentes de cuidados geriátricos ou guardiões profissionais. Algumas testaram comitês compostos de parceiros e profissionais confiáveis.

As pessoas podem explicar as crenças e vontades aos procuradores, pagos ou não, e documentar suas preferências em diretrizes bem detalhadas. "Elas dão pistas sobre o que o paciente realmente valoriza, alguma orientação sobre quais circunstâncias elas consideram piores do que a morte", disse White.

Isso, Elizabeth Evans decidiu durante nossa conversa, representa sua melhor aposta: escrever instruções e ter conversas francas com a irmã e, talvez com o advogado.

"A gente acha que nada vai nos acontecer, então vemos que pode acontecer. Já devia ter feito isso ontem."