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O que a Fundação Bill e Melinda Gates faz pela saúde?

Susan Desmond-Hellmann é executiva-chefe da Fundação Bill e Melinda Gates - Ruth Fremson/The New York Times
Susan Desmond-Hellmann é executiva-chefe da Fundação Bill e Melinda Gates Imagem: Ruth Fremson/The New York Times

Celia W. Dugger

29/05/2016 06h00

Quando completou dois anos como executiva-chefe da Fundação Bill e Melinda Gates, um gigante global da filantropia, Susan Desmond-Hellmann escreveu sobre os progressos contra o tabagismo nas Filipinas, contra a poliomielite em todo o planeta e contra a doença do sono na África.

Antes de se unir à fundação, ela era líder no desenvolvimento do Avastin e do Perception, dois medicamentos contra o câncer da Genentech; depois, tornou-se a chanceler da Universidade da Califórnia, em San Francisco, EUA. O jornal The New York Times conversou durante uma hora em seu escritório em Seattle. A seguir, uma versão condensada e editada da conversa.

Quais são as coisas mais legais e surpreendentes que a fundação está fazendo?

Para mim, a fundação deve ser conhecida por fazer coisas que outras pessoas não podem ou não querem fazer. Por essa e algumas outras razões escrevi o artigo sobre o tabagismo. Em primeiro lugar, as pessoas não fazem ideia de que trabalhamos no controle do tabagismo. Sou oncologista, por isso sei que o tabaco é a causa da morte de seis milhões de pessoas.

O que vocês fizeram nas Filipinas?

O governo aumentou o imposto sobre o cigarro. Assim, ajudamos a financiar um grupo que ofereceu apoio legal para eles. Quando seu governo é relativamente pequeno e a indústria do tabaco conta com o poderio jurídico capaz de mudar impostos e leis, você precisa ter acesso a um acompanhamento jurídico de primeira grandeza.

Conte-nos um pouco mais sobre como vocês estão tentando descobrir o que tem matado milhões de crianças antes que elas completem cinco anos de idade.

Se você observar o que aconteceu entre 1990 e 2015, vai perceber uma melhora considerável. Mas gostaríamos de diminuir em mais 50 por cento a mortalidade de crianças com menos de cinco anos até 2030. Cerca de 40 por cento dessas mortes ocorrem nos primeiros 30 dias de vida. Então, aqui vai uma boa notícia. Nós sabemos onde estão as mulheres soropositivas da África Subsaariana, assim podemos ser extremamente eficazes, aplicando antiretrovirais com quase 100 por cento de eficácia nas mulheres grávidas. Utilizando medidas precisas de saúde pública, fomos capazes de diminuir a transmissão do HIV de mãe para filho em quase 50 por cento em apenas cinco anos na África Subsaariana. É por isso que continuamos vigiando.

É verdade que vocês realizam autopsias?

O que fazemos na verdade é uma amostragem de tecido minimamente invasiva. A forma como costumávamos fazer isso -- e ainda fazemos, em grande medida -- é razoavelmente eficaz, mas extremamente difícil. Quando um bebê morre, a gente vai até a mãe -- às vezes muitas semanas após o falecimento -- e perguntamos se o bebê teve febre, dores na barriga, vômitos. Esse procedimento é conhecido como autópsia verbal. A diferença é que também retiramos amostras de tecido pouco invasivas: fígado, pulmão.

As mães são abertas a isso ou ficam aterrorizadas com a ideia?

Essas famílias perderam uma criança. Mas felizmente nossos pesquisadores descobriram que a investigação ajuda as famílias a superarem o luto.

Como vocês usam essas informações?

O mais importante é diferenciar nossas crenças dos dados epidemiológicos reais a respeito do HIV, da tuberculose, da malária, e todos esses tipos de doença. Eu quero que o Ministério da Saúde seja capaz de dizer porque os bebês morreram naquela comunidade, naquele país. Quais são minhas ferramentas para isso? Que tipos de remédio o governo deve comprar?

Bill Gates e a fundação se uniram na luta contra a poliomielite. Você acredita que estamos perto de erradicar a doença no mundo todo?

A gente chega a ter medo de comemorar antes da hora, mas a Nigéria não registra casos de pólio há mais de um ano, e isso quer dizer que todo o continente africano está livre da doença há mais de um ano. Agora só faltam o Paquistão e o Afeganistão. Acredito mesmo que estamos muito próximos de erradicar a pólio.

Melinda Gates está dedicada à causa do planejamento familiar?

Completamente. Mais de 120 milhões de mulheres irão receber contraceptivos até 2020. Esse é um número enorme, e agora existem métodos contraceptivos de longuíssima duração: implantes, injeções, DIUs. Alguns pesquisadores estão desenvolvendo uma injeção que a mulher possa aplicar sem ajuda especializada. O potencial da autoadministração é enorme. Muitas mulheres não querem que a família saiba que ela está usando anticoncepcionais. Isso a empodera e dá a chance de tomar as próprias decisões em relação ao número de filhos.

Você está à frente dá fundação há dois anos em contato direto com Bill e Melinda Gates. O que você aprendeu sobre como agem, sobre suas paixões?

Eu diria que os dois têm três coisas em comum: são ousados, mergulham de cabeça e são muito generosos. E ambos realmente dedicam a vida à família. Essa é uma fundação familiar, e eu acredito muito na importância da família. Tenho seis irmãos. Meu marido também tem seis irmãos. Na fundação, tive a chance de ver Bill e Melinda como pais e os Gates como uma família. O pai do Bill Gates também trabalha aqui e isso é muito divertido. Faz parte da história desse lugar.

Então sua vida não ficou mais complicada.

Ah, claro que a minha vida ficou mais complicada.

Como?

Bill e Melinda são meus chefes. E assim como na época em que eu respondia diretamente ao reitor da Universidade da Califórnia, ou ao CEO da Genentech, eu sempre gostei de entender como trabalho com meus chefes. A Melinda é muito instintiva. Ela tem uma compreensão profunda da condição humana. Agora estamos desenvolvendo esse novo trabalho em relação à pobreza, e um dos temas principais é o encarceramento de jovens. Eu estava falando para a Melinda que isso me deixa muito triste e que havia ficado com vontade de chorar ao escutar a história de um rapaz. Então a Melinda me disse que às vezes a gente tem que se envolver até o ponto de chorar e não conseguir mais parar de pensar a respeito. É então que encontramos formas de ajudar.

E o que dizer do Bill Gates?

O Bill é o cara dos números. Eu faço viagens com Bill e Melinda separadamente. Fiz uma viagem de carro pela Tanzânia com o Bill e ele não deixa nada escapar. Sabe de cor a população da Tanzânia, o PIB da Tanzânia, a escolaridade média da população. Ele procura todos os sinais. "Caramba, existem três empresas de telecomunicações na Tanzânia". Ele basicamente tem uma planilha do Excel como todos os dados e fatos a respeito de todos os países nos quais trabalhamos. Sua inteligência e capacidade de juntar os pontos e utilizar os dados para compreender um problema são extraordinárias.

Os dois são seus chefes.

Sim, os dois são meus chefes e o que eu tento fazer é recorrer aos superpoderes de cada um deles. Eles têm habilidades muito diferentes, mas o que une as duas coisas é esse compromisso com a equidade e com a generosidade.