Em guerra contra açúcar, universidade dos EUA proíbe refrigerante no campus
As pessoas que trabalham com saúde pública podem forçar os norte-americanos a romper com o hábito de tomar refrigerantes?
A resposta pode vir em breve da Universidade da Califórnia em San Francisco, um centro de ciências da saúde com mais de 24 mil funcionários em seu grande campus. No ano passado, a universidade tirou as bebidas adoçadas de todas as lojas, foodtrucks e máquinas de vendas do campus. Mesmo cadeias famosas de fast-food do local, como a Subway e a Panda Express, pararam de vender Sprite, Coca-Cola e seus irmãos açucarados à pedido da universidade.
Acredita-se que a instituição foi uma das maiores empregadoras a remover as bebidas açucaradas do local de trabalho. Com refrigerantes adoçados agora raros no campus, a universidade descobriu que possuía condições perfeitas para estudar o que acontece quando as pessoas que bebem grandes quantidades de açúcar durante o dia de trabalho param de repente.
Os pesquisadores inscreveram 214 funcionários da escola em um estudo rigoroso, coletando amostras de sangue para ver se houve alguma mudança metabólica importante em quem diminuiu a quantidade de refrigerantes ingeridos. Eles esperam publicar os resultados completos em breve, mas os indicadores iniciais são promissores.
Desde que a lei entrou em vigor um ano atrás, a universidade diz que registrou uma queda significativa no consumo de refrigerantes entre seus funcionários, principalmente entre trabalhadores do setor de serviços, que eram os maiores consumidores. Uma pesquisa da universidade entre 2.500 funcionários descobriu que alguns dos trabalhadores de serviços e membros da equipe de apoio vinham bebendo até um litro de refrigerante no trabalho e em casa todos os dias, ou quase três latas. Seis meses depois de a política entrar em efeito, esses trabalhadores haviam reduzido o consumo em cerca de um quarto.
“Somos uma instituição de saúde pública e há algo de errado em fazermos dinheiro com produtos que sabemos que deixam as pessoas doentes”, afirma Laura Schmidt, professora da escola de Medicina que liderou a iniciativa.
Como ousamos lucrar com um produto que nossos próprios médicos dizem causar doenças metabólicas?”
Laura Schmidt, professora da escola de Medicina
A experiência da universidade acontece em um momento de batalhas crescentes a respeito de leis destinadas a reduzir o consumo de refrigerantes. Na terça-feira, três cidades do norte da Califórnia e uma no Colorado votaram sobre a tributação dos refrigerantes. As cidades de Berkeley e Filadélfia já aprovaram impostos sobre bebidas adoçadas.
OMS pede aumento de impostos para reduzir açúcar
Um estudo recente descobriu que o imposto de Berkeley está funcionando: nas áreas de menor renda, o consumo de bebidas adoçadas caiu e o de água aumentou depois que a política entrou em vigor.
No mês passado, a Organização Mundial de Saúde pediu que os países taxassem as bebidas adoçadas, apresentando uma pesquisa que mostra que um aumento de apenas 20% nos preços dos refrigerantes resultaria em uma redução proporcional em seu consumo.
A indústria de bebidas vem lutando contra as leis, gastando milhões em campanhas contra as taxas propostas na Califórnia e no Colorado, que chama de “imposto do supermercado” antiquado que prejudica os pobres. Em setembro, a indústria entrou com um processo contra a Filadélfia dizendo que o imposto sobre os refrigerantes era ilegal.
Enquanto as brigas sobre os impostos dos refrigerantes se desenrolam, vários hospitais e organizações de saúde estão resolvendo o assunto de maneira própria, banindo as bebidas açucaradas de seus locais de trabalho. Em todo o país, pelo menos 30 centros médicos restringiram a venda de refrigerantes e bebidas energéticas cheias de calorias, entre eles a Clínica Cleveland, em Ohio, e o Sistema de Saúde da Universidade de Michigan.
A política da Universidade da Califórnia em San Francisco pode ser a mais abrangente. Ela se aplica não apenas ao centro médico mas à toda a universidade, incluindo os 24 mil funcionários e os 8.500 visitantes e pacientes que a frequentam todos os anos. Visitantes do campus hoje encontram apenas água, bebidas diet, chás não adoçados e, em alguns casos, sucos feitos apenas com frutas e sem adição de açúcar.
Michael Flanders, especialista assistente da divisão de hematologia e oncologia do centro médico, diz que consumia “toneladas” de açúcar todos os dias em limonadas San Pellegrino e outras bebidas adocicadas. Mas quando a lei entrou em vigor e as bebidas sumiram, ele passou a tomar água com gás.
Levou uns dois meses para minhas papilas gustativas se ajustarem, mas agora realmente gosto de café preto e água com gás sem sabor. Refrigerantes e bebidas adoçadas feitas com café agora me parecem muito doces.”
Mas, enquanto a universidade diz que espera que sua regra se torne um modelo para outros empregadores, a indústria da bebida argumenta que essa estratégia é falha. Seus representantes afirmam que as taxas de obesidade vêm aumentando apesar do consumo de refrigerante ter diminuído nos últimos anos. E dizem que culpar apenas os refrigerantes, ao invés de calorias de todos os alimentos é equivocado.
Obesidade continua a crescer
“As taxas de obesidade vêm aumentando regularmente há anos ao mesmo tempo em que o consumo de refrigerantes vêm caindo”, afirma William Dermody, porta-voz da Associação Americana de Bebidas.
Mas Laura Schmidt explica que não faz sentido os médicos pedirem aos pacientes para diminuir o consumo de bebidas doces enquanto o centro médico da universidade continua a vendê-los. “Passei anos no campo do vício, e a primeira coisa que falamos para as pessoas é que se você quer parar de consumir alguma coisa, precisa tirá-la do seu ambiente”, avisa ela.
Conseguir que a universidade parasse de vender bebidas adocicadas foi surpreendentemente fácil, segundo Laura e seus colegas. O diretor da escola, depois de uma relutância inicial, decidiu que o objetivo era importante, e muitos professores apoiaram a ideia. O fornecedor de bebidas da universidade então concordou em colocar nas lojas e lanchonetes do campus principalmente água e bebidas sem calorias.
Uma exceção foi feita para sucos feitos 100% com frutas, que possuem açúcares naturais, mas não são adoçados.
A política foi anunciada em julho e introduzida gradualmente em um período de quatro meses, enquanto a universidade distribuía panfletos e outros materiais educacionais para alunos e funcionários.
“Educamos todos e explicamos para as pessoas o quão prejudicial as bebidas adoçadas podem ser para a saúde. Elas entenderam na hora e todas apoiaram”, afirma Leeane Jensen, diretora de bem-estar da universidade.
Robert W. Jones, dono de duas lanchonetes da rede Subway no campus, diz que quando a escola pediu que parasse de vender refrigerantes, ele se preocupou com a possibilidade de os clientes ficarem chateados. Mas conseguiu que seu fornecedor, a Coca-Cola, trocasse as bebidas cheias de açúcar por água e outras opções com nenhuma ou quantidades pequenas de calorias. Ele treinou seus funcionários para explicar a regra para os clientes que reclamassem que não conseguiam encontrar refrigerantes nas máquinas.
“Os poucos clientes que perguntam parecem entender na hora. Tivemos pouco problema com isso.”
Jones diz que sua venda de bebidas diminuiu cerca de 10% nos primeiros dois meses depois que os refrigerantes foram tirados, mas que recuperou a maior parte dos negócios com a receita de bebidas diet e água.
Ainda não se sabe se a política terá algum impacto mensurável na saúde. Elissa Epel, diretora associada do Centro de Pesquisa em Nutrição e Obesidade da Universidade, diz que ela e seus colegas querem descobrir se os funcionários que conseguiram reduzir o consumo total de bebidas adocicadas viram qualquer impacto, como perda de peso, saúde do fígado, resistência à insulina e telômeros, os pedaços de DNA ligados à longevidade.
“As pessoas podem dizer que bebem menos. Mas minha questão era: isso aparece em seu sangue? Queria saber se houve alguma melhora significativa na saúde metabólica das pessoas.”
Uma das funcionárias inscrita no estudo, Kristine Obiniana, analista do centro médico, diz que consumia até três bebidas açucaradas por dia. “Refrigerante, suco, café adoçado, tudo isso. Pude ver qual era meu problema.”
Kristine diz que quando a política entrou em vigor no ano passado, ela se viu trazendo refrigerantes e sucos para o trabalho. Mas com 1,52 metro de altura e 81 quilos, ela percebeu que precisava mudar. “Eu me perguntei: ‘Como vou me ajudar se continuo fazendo isso comigo?’”, conta.
No final, parou de trazer os refrigerantes para o trabalho e começou a beber água, chá e bebidas com sabor e sem calorias. Ela perdeu mais de dois quilos e espera perder pelo menos mais uns cinco. Diz que algumas vezes se esforça para evitar as bebidas adocicadas quando está em casa ou sai com seus amigos, mas acha bom que a universidade não os venda mais em seu lugar de trabalho.
“Faz com que eu perceba que eles realmente se importam com os funcionários e com o que as pessoas estão ingerindo”, explica.
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