Topo

Você é pré-diabético? Rótulo diz pouco sobre risco de desenvolver doença

Pré-diabetes é definido como um estado de glicose sanguínea elevada, mas que não seja alto o bastante para ser considerado diabetes - David Plunkert/The New York Times
Pré-diabetes é definido como um estado de glicose sanguínea elevada, mas que não seja alto o bastante para ser considerado diabetes Imagem: David Plunkert/The New York Times

Paula Span

04/01/2017 06h00

"Os números não mentem", dizia a página doihaveprediabetes.org. "Um em cada três adultos norte-americanos tem pré-diabetes".

O site me convidou para fazer uma avaliação de risco on-line, prometendo que o questionário só tomaria um minuto. O site foi amplamente divulgado nos Estados Unidos e faz parte de uma campanha de mídia em parceria com a Associação Médica Americana, A Associação Americana do Diabetes e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês). Cerca de 292 mil pessoas já realizaram o teste.

Comigo, são 292.001. Eu cliquei no botão amarelo, informei meu gênero, raça e faixa etária. Respondi algumas questões sobre histórico familiar e sobre o meu histórico médico, informei que pratico atividades físicas e inclui minha altura e peso.

Como me saí? "Com base nesses resultados, você tem boas chances de ter pré-diabetes e faz parte do grupo de alto risco de diabetes tipo 2". O site me aconselhou a procurar um médico para realizar um exame e confirmar os resultados.

Eu até ficaria mais preocupada, se não tivesse acabado de ler uma nova análise publicada na JAMA Internal Medicine.

Estou em boa companhia: o estudo revelou que mais de 80% dos americanos com mais de 60 anos receberiam o mesmo aviso. O mesmo vale para quase 60% das pessoas com mais de 40 anos, totalizando cerca de 73,3 milhões de pessoas.

Os pesquisadores, do Tufts Medical Center, em Boston, utilizaram dados de 10.175 participantes do Exame Nacional de Saúde e Nutrição.

Uma vez que o diabetes tipo 2 é um problema de saúde importante e crescente, os especialistas sem dúvida querem ajudar as pessoas a evitá-lo. Mas será que um teste que identifica praticamente qualquer pessoa idosa como caso provável de pré-diabetes pode ser significativo e relevante? Um editorial que acompanhou o estudo destacou que "essa é uma condição que nem conhecíamos há uma década".

Para o principal autor do estudo, o Dr. Saeid Shahraz, especialista em análise preditiva e eficácia comparada, o teste representa uma "medicalização" --definindo algo que era visto como normal como uma doença que exige atenção, monitoramento e tratamento.

"Não se trata de uma ferramenta científica", afirmou Shahraz a respeito do teste virtual. "Um modelo preditivo deve ser capaz de destacar indivíduos de alto risco" --as pessoas que mais se beneficiariam com intervenções, de acordo com pesquisas.

"Esse teste só diz que todo mundo faz parte do grupo de risco. Não dá para acreditar".

O Dr. Victor Montori, endocrinologista e especialista em diabetes da Clínica Mayo, também tem dúvidas. "Identificar pessoas e rotulá-las --será que isso ajuda?", questionou.

No caso de pessoas mais velhas, os níveis de glicose no sangue aumentam naturalmente à medida que o pâncreas passa a produzir menos insulina e o corpo se torna mais resistente a ela. "Essas pessoas estão saudáveis e essa campanha fará com que elas se sintam doentes", afirmou.

Ao invés disso, ele defende adaptações na dieta, redução nos níveis de pobreza e outros fatores ligados ao diabetes.

Ann Albright, diretora da divisão de diabetes do CDC, está perdendo a paciência com essas críticas. "O objetivo dessa ferramenta é gerar discussões", afirmou.

"O objetivo obviamente não é o de fornecer um diagnóstico, mas apenas de dar uma ideia de onde as pessoas estão."

A discussão sobre os testes, segundo ela, "tirou o foco da conversa, que deveria ser o de conscientizar as pessoas para o problema do diabetes e levá-las ao médico".

A Associação Americana do Diabetes e o CDC definem o pré-diabetes como um estado de glicose sanguínea elevada, geralmente avaliado por meio de um exame feito com o paciente em jejum, mas que não seja alto o bastante para ser considerado diabetes. (Outra forma de avaliar é por meio de exames de tolerância à glicose, ou dos níveis de HbA1c).

Muitos idosos não precisam ir ao médico para realizar o exame; exames de sangue feitos anteriormente provavelmente incluem os níveis de glicose. Quando o valor é superior a 126 miligramas por decilitro, o paciente tem diabetes.

Se o total é superior a 100 mg/dL, mas inferior a 125, a pessoa tem pré-diabetes, uma condição que não causa danos nos órgãos, nem sintomas perceptíveis, embora aumente o risco de o paciente desenvolver diabetes.

Nem todo mundo vira diabético

Nem todo mundo que recebe o diagnóstico de pré-diabetes se torna diabético. O CDC afirma que de 15% a 30% das pessoas com pré-diabetes desenvolvem um quadro diabético em até cinco anos, embora os índices sejam mais altos entre os idosos.

Uma vez que a probabilidade de desenvolver diabetes pode ser revertida, ou ao menos retardada, o CDC lançou em 2012 o Programa Nacional de Prevenção ao Diabetes, oferecido em parceria com a ACM, com igrejas e centros comunitários. Mais de 90 mil pessoas participaram em 1.200 locais.

O programa enfatiza a importância de uma alimentação saudável e da prática de atividades físicas. E quem poderia discordar disso? Como demonstrou um estudo publicado em 2002 pelo New England Journal of Medicine, essa abordagem é mais eficaz na redução do risco de diabetes em um período de três anos do que o uso de metformina, o medicamento mais comum no combate à doença.

O programa comprovou que essa é uma abordagem ainda mais eficaz em participantes com mais de 60 anos do que entre os mais jovens. Contudo, alertar praticamente todos os idosos dos riscos de pré-diabetes ainda incomoda alguns pesquisadores e médicos.

"Essa é uma tentativa de melhorar comportamentos com base no medo", afirmou o Dr. Jeremy Sussman, pesquisador do diabetes na Universidade do Michigan e no Veterans Affairs Ann Arbor Healthcare System.

Assim como com qualquer definição de doença, ou de quadro precursor, as diretrizes são arbitrárias e mudaram ao longo do tempo de forma a considerar um grupo cada vez maior como pré-diabético.

A Organização Mundial da Saúde, por exemplo, adota uma abordagem mais conservadora, definindo o pré-diabetes como um nível de glicose no sangue superior a 110 mg/dL, ao invés de 100. Essa diferença aparentemente pequena, caso fosse adotada nos EUA, reduziria o número de americanos com pré-diabetes em cerca de 50%, afirmou Montori.

A primeira linha de tratamento para o pré-diabetes e para o diabetes são mudanças no estilo de vida que reduzam a obesidade e o sedentarismo. Mas será que as pessoas prestariam atenção nesse conselho, já tão onipresente?

"Se eu tiver uma paciente no meu consultório e defini-la como pré-diabética, não há mais nada que eu possa dizer além de que ela deve se exercitar e controlar a dieta", afirmou Shahraz.

"Essas intervenções são tão genéricas que deveriam servir de recomendação para qualquer pessoa, incluindo as saudáveis".

Contudo, alguns médicos prescrevem o metformina em casos de pré-diabetes --uma preocupação no caso dos idosos, que já lidam com diferentes tipos de medicamentos e correm riscos com interações.

Mesmo que pacientes mais velhos desenvolvam o diabetes, os riscos são diferentes para os mais jovens. "Os efeitos negativos do diabetes surgem ao longo de décadas", afirmou Sussman.

Diabéticos de 40 e poucos anos têm muito mais tempo para sofrer com alguma das terríveis complicações causadas pela doença, de danos aos rins à perda de visão, passando por ataques cardíacos e AVCs.

Pessoas com mais de 70 anos "têm menos anos para sofrer com as sequelas", afirmou Sussman. Se tratados corretamente, eles provavelmente morrerão em decorrência de outras doenças.

A questão dos recursos também é relevante. Os diabéticos precisam e consomem boa parte dos recursos de saúde. Nosso sistema é capaz de tratar os milhões de pré-diabéticos? Isso é necessário?

No CDC, a resposta é positiva. "Nosso plano é acomodar esses milhões de indivíduos" no Programa Nacional de Prevenção do Diabetes, afirmou Ann Albright.

Sua equipe trabalha para convencer os planos de saúde privados a cobrir o custo, que geralmente gira em torno de US$ 500 por cada curso anual onde os pacientes aprendem a se exercitar e a comer melhor. A cobertura do Medicare terá início a partir de 2018.

"Vamos trabalhar lado a lado para dar conta da demanda, mas também precisamos garantir que ela exista", afirmou Ann.

Eu estou disposta a aceitar o conselho, ainda que não aceite o rótulo.

Se eu fosse um quilo e meio mais leve, como era antes de chegar o fim do ano, e se todos os fatores de risco se mantivessem inalterados, o teste on-line teria me parabenizado pelo baixo risco e teria me convidado a "manter o bom trabalho".

Por muitas razões, vou continuar a me exercitar e a lutar contra os quilinhos indesejados. Mas não preciso ser classificada como pré-diabética para fazer isso.