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O ciclista de 105 anos que percorreu 22 km em uma hora e desafia a velhice

Robert Marchan, 105, quebrou o recorde mundial para sua categoria ao percorrer 22,5 km em uma hora - Thibault Camus/AP Photo
Robert Marchan, 105, quebrou o recorde mundial para sua categoria ao percorrer 22,5 km em uma hora Imagem: Thibault Camus/AP Photo

Gretchen Reynolds

19/02/2017 08h50

Aos 105 anos, o ciclista amador francês e detentor do recorde mundial Robert Marchand está mais apto aerobicamente falando do que a maioria das pessoas de 50 anos – e parece ficar cada vez mais em forma à medida que envelhece, segundo um novo estudo revelador sobre sua fisiologia.

Esse estudo, que apareceu na edição de dezembro do The Journal of Applied Physiology, pode ajudar a reescrever expectativas científicas sobre como nossos corpos envelhecem e o que é possível para qualquer um de nós, sem restrições de idade, em questões atléticas.

Muitas pessoas começaram a ouvir falar de Marchand no mês passado quando ele estabeleceu um recorde mundial em uma hora de ciclismo, evento em que alguém pedala a maior distância possível em uma pista coberta por 60 minutos.

Marchand percorreu mais de 22,5 quilômetros, estabelecendo um ponto de referência global para pessoas com 105 anos ou mais. Essa classificação precisou ser criada especificamente para acomodá-lo. Até então, ninguém dessa idade havia tentado o feito.

Marchand, que nasceu em 1911, possuía o recorde de uma hora para ciclistas com 100 anos ou mais, que estabeleceu em 2012.

Foi quando se preparava para a prova que chamou a atenção de Veronique Billat, professora de Ciências do Exercício na Universidade de Evry-Val d’Essonne, na França. Em seu laboratório, Veronique e seus colegas estudam e treinam vários atletas profissionais e amadores.

Ela se interessou principalmente pelo programa de exercícios de Marchand e se, alterando o programa, seria possível aumentar sua resistência e sua velocidade.

Ciclismo - ADREES LATIF/REUTERS - ADREES LATIF/REUTERS
Imagem: ADREES LATIF/REUTERS

Dá para envelhecer e melhorar sua marca?

A sabedoria convencional de ciências do exercício sugere que é muito difícil aumentar a aptidão física aeróbica de maneira significativa depois da meia idade. Em geral, o VO2 máximo (ou volume de oxigênio máximo), uma medida de quão bem nossos corpos usam o oxigênio e o indicador científico de aptidão física mais amplamente aceito, começa a declinar por volta dos 50 anos, mesmo que a pessoa se exercite com frequência.

Veronique, no entanto, tinha descoberto que se atletas mais velhos fizessem exercícios intensos, poderiam aumentar seu VO2 máximo. Ela nunca havia, no entanto, tentado esse método em uma pessoa centenária.

Mas Marchand foi receptivo. Com apenas pouco mais 1,50 metro de altura e cerca de 52 quilos, ele conta que não se exercitava regularmente enquanto trabalhava como motorista de caminhão, jardineiro, bombeiro e lenhador. Mas desde que se aposentou, começou a andar de bicicleta na maioria dos dias, em pistas cobertas ou nas estradas perto de sua casa em um subúrbio de Paris.

Quase todos os seus percursos eram feitos em um ritmo de lazer.

Veronique mudou essa rotina. Primeiro, ela e seus colegas levaram Marchand para o laboratório de desempenho humano da universidade.

Eles testaram seu VO2 máximo, sua frequência cardíaca e outros aspectos da aptidão cardiorrespiratória. Todos estavam saudáveis e bem acima da média para uma pessoa de sua idade. Marchand também não tomava nenhum remédio.

Ele então estabeleceu o recorde mundial para pessoas de 100 anos ou mais, percorrendo 22,5 quilômetros.

Novo treinamento

Depois, Veronique fez com que começasse um novo regime de treinamento. Sob esse programa, cerca de 80% de seus exercícios semanais eram feitos em uma intensidade fácil, o equivalente a 12 ou menos em uma escala de um a 20 em que 20 é o exercício quase insuportavelmente extenuante, segundo o julgamento de Marchand. Ele não usou um monitor de frequência cardíaca.

Os outros 20% de seus exercícios eram desempenhados em uma intensidade difícil de 15 ou mais na mesma escala. Para esses, ele foi instruído a aumentar a frequência de suas pedaladas para entre 70 e 90 voltas por minuto, comparado com 60 durante as corridas fáceis (um computador de ciclismo forneceu a informação). As corridas raramente duravam mais de uma hora.

Marchand seguiu esse programa por dois anos. Então, tentou melhorar seu próprio recorde mundial de uma hora.

Primeiro, porém, Veronique e seus colegas mediram novamente todos os marcadores fisiológicos que haviam testado dois anos antes.

Eles descobriram que o VO2 máximo de Marchand estava cerca de 13% mais alto do que antes, comparável com a capacidade aeróbica de uma pessoa saudável de 50 anos na média. Ele também melhorou seu poder de pedalada, aumentando essa medida em quase 40%.

Não foi surpresa, portanto, que seu desempenho no ciclismo também tenha melhorado consideravelmente. Durante sua tentativa de estabelecer o recorde mundial, pedalou por pouco mais de 27 quilômetros, cinco a mais do que havia percorrido durante seu primeiro recorde.

Na época, ele estava com 103 anos.

Esses dados sugerem fortemente que “podemos melhorar nosso VO2 máximo e nosso desempenho em qualquer idade”, afirma Veronique.

É genético?

Há algumas questões, no entanto. Marchand pode ser sui generis, com uma constelação de genes vencedora que lhe permite viver além dos 100 anos sem debilidades e responder muito bem ao treinamento.

Por isso, seu sucesso não pode nos dizer se essa mistura de 80/20 de exercícios fáceis e intensos é necessariamente ideal ou mesmo aconselhável para o resto das pessoas que estão envelhecendo. (Por favor, consulte seu médico antes de começar ou mudar sua rotina de exercícios.)

O estilo de vida também faz diferença. Marchand é “muito otimista e sociável”, explica Veronique, “e tem muitos amigos”. Vários estudos sugerem que laços sociais fortes estão ligados a uma vida mais longa. Sua dieta também é simples, iogurtes, sopas, queijo, frango e um copo de vinho tinto no jantar.

Mas, para aqueles que esperam envelhecer bem, seu exemplo é inspirador e, segundo Veronique, ainda está incompleto. Desapontado com o recorde que estabeleceu no mês passado, ele acredita que pode melhorar a distância, conta ela, e deve tentar de novo, talvez quando estiver com 106 anos.