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Seis coisas que eu aprendi sobre úlceras, e dicas para reduzir a queimação

Heidi Younger/The New York Times
Imagem: Heidi Younger/The New York Times

Catherine Saint Louis

30/04/2017 04h00

Em meados de fevereiro, eu não conseguia mais dormir à noite. Às 2 da manhã, me pegava bebendo leite direto da caixinha para ver se conseguia apagar o fogo que sentia nas minhas entranhas. A sensação torturante na boca do estômago se alternava com uma náusea tão intensa que me obrigava a manter um balde ao lado do computador. Já estava até pensando em fazer um teste de gravidez, mesmo que tivesse 99 por cento de certeza de que não estava grávida.

Um dia, na plataforma do metrô, me contorci e soltei um gemido tão patético que levou um completo estranho a perguntar se estava tudo bem comigo. Foi nesse momento que percebi que precisava de ajuda médica. Nova-iorquinos não falam com desconhecidos no metrô, eu repetia para mim mesma. É como romper a quarta parede.

No dia seguinte, meu clínico-geral me disse que eu provavelmente tinha uma úlcera, uma ferida na parede do estômago ou do intestino delgado. A seguir, algumas coisas que aprendi a respeito da úlcera durante a odisseia que se seguiu.

Qualquer pessoa pode ter uma úlcera

Nos anos 1980, quando os médicos e a maioria das pessoas acreditavam que estresse psicológico e comidas muito temperadas causavam úlceras, dois cientistas australianos revelaram que a maior culpada na verdade era uma bactéria chamada Helicobacter pylori. Essa descoberta levou a um Prêmio Nobel in 2005, dando início a uma nova era de uso de antibióticos.

Mas isso não foi suficiente para eliminar as úlceras. Longe disso. Na verdade, minha tribo de doentes estomacais é gigante. Quase 16 milhões de adultos nos EUA sofriam com úlceras em 2014, de acordo com o Centro Nacional de Estatísticas de Saúde do Centro de Controle e Prevenção de Doenças. O maior grupo, cerca de 6,2 milhões de pessoas, tem entre 45 e 64 anos. O grupo de pacientes entre 18 e 44 anos de idade corresponde a 4,6 milhões de pessoas, o de 65 a 74 corresponde a 2,6 milhões, e o de mais de 75 a 2,4 milhões.

Fiz um exame de sangue para ver se estava infectada com o H. pylori; o resultado foi negativo, então eu não precisava de antibióticos. O uso regular de medicamentos anti-inflamatórios não esteróides, como ibuprofeno e aspirina, também pode causar úlceras, mas esse não era o meu caso. A minha úlcera revelou ser “idiopática”, uma forma chique de os médicos dizerem que não sabem o que está acontecendo.

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Imagem: Getty Images

– Demora até descobrirmos o que podemos comer

Meu médico disse que eu precisava da terapia padrão: omeprazol, um medicamento que controla a acidez, durante um mês para que a ferida aberta no meu estômago tivesse tempo para se recuperar. Embora algumas úlceras não tratadas acabem causando sangramento intenso e exijam até cirurgia e hospitalização, ele me garantiu que eu melhoraria logo.

Enquanto isso, eu precisava descobrir como me alimentar. Mas com a úlcera, descobri que estava fazendo parte de um reality show maldito chamado “O Que Comer?”. Se escolhesse mal, meu estômago queimaria como lava, me deixando prostrada. Se escolhesse bem, seria premiada com um alívio temporário, até que a fome chegasse outra vez. O “jogo” recomeçava em intervalos de poucas horas.

Para piorar, não sabia quais alimentos podia comer, até prová-los. Por exemplo, porque um pacote aparentemente inócuo de amendoins me levou a tanta agonia?

A verdade é que os gastroenterologistas não sabem por que determinados tipos de comida causam indigestão e queimação em pacientes com úlcera. Mas existem algumas regras: evite beber álcool, qualquer coisa com cafeína ou rica em gordura.

Alimentos gordurosos “ficam muito tempo no estômago”, afirmou Lori Welstead, nutricionista que trabalha no centro de doenças digestivas da Faculdade de Medicina da Universidade de Chicago. Será que era esse o problema com o amendoim?

O Dr. David Y. Graham, antigo presidente do Colégio Americano de Gastroenterologia, resumiu bem a questão: “A regra geral é: não coma o que te faz mal”.

Pacientes com úlcera são cobaias de si mesmo, realizando testes até encontrar algo que alimenta, mas não causa desconforto. Demorei semanas para perceber isso.

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Imagem: Getty Images/iStockphoto

Barriga vazia não ajuda, e pode até atrapalhar

Como uma alma que sofre por amor e jura que nunca mais irá namorar para evitar a dor, comecei a comer cada vez menos. O mesmo aconteceu com Megan McMillen, enfermeira  em Morgantown, Virgínia Ocidental, quando descobriu que tinha uma úlcera.

“Dá muito medo do que pode acontecer sempre que comemos”, afirmou. Por isso, ela passou dois dias sem se alimentar. O lado negativo da fome era a náusea – e o estômago vazio dói duplamente.

Sem comida no estômago, a úlcera fica coberta de suco digestivo, afirmou o Dr. David Greenwald, diretor de gastroenterologia clínica e endoscopia no Hospital Mount Sinai, em Nova York. “É muito comum ouvir esse comentário de pacientes com úlcera, que qualquer alimento melhora os sintomas temporariamente.”

Não coma antes de dormir

Outro erro grave: comer antes de dormir, afirmou Graham, professor de gastroenterologia da Faculdade de Medicina Baylor, em Houston.

“Se você quer sofrer durante a madrugada, coma antes de dormir”, afirmou. Isso porque quando você se alimenta, seu estômago produz muito ácido para digerir a comida. Mas “assim que a comida é digerida”, afirmou, os níveis de acidez continuam elevados. Como resultado, você provavelmente vai acordar morrendo de dor.

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Imagem: IStock
Não se preocupe com alimentos ácidos

Eu nunca havia confiado no Dr. Google até então, mas estava desesperada. Encontrei um gráfico de pH na internet que mostrava quais alimentos eram ácidos, quais eram neutros e quais eram alcalinos. Quanto menor fosse o pH, em uma escala de 3 a 10, mais ácido seria o alimento e, portanto, mais eu deveria evitá-lo, afirmava o gráfico.

Esse pequeno gráfico colorido se tornou minha bíblia. Cortei o queijo de cabra, o atum enlatado, carne de vaca, de porco e todos os nozes, menos amêndoas, que foram classificadas como alcalinas. Minha refeição ideal era um abacate inteiro com meio quilo de morangos.

Infelizmente, demorou uma semana para esta pretensa jornalista de saúde se perguntar se o gráfico de pH ou qualquer outro gráfico alimentar on-line tinha base em pesquisas reais.

Welstead, a nutricionista de Chicago, resolveu minha vida: “O pH dos alimentos não é um dado relevante para terapias alimentares ou em qualquer campo da medicina. O suco gástrico é tão ácido, que os alimentos que ingerimos não são capazes de alterar sua acidez”.

A má notícia é que caí em um abismo de desinformação. Me senti um pouco melhor depois de conversar com Laurie Keefer, psicóloga de saúde especializada em doenças digestivas na Faculdade de Medicina Icahn, no Hospital Mount Sinai, que me contou que seus pacientes com úlcera muitas vezes se sentem “descontrolados”.

Keefer me aconselhou a não causar mais estresse “tentando controlar coisas que não vão alterar em nada os sintomas”. Como gráficos de pH furados.

– Não ignore o estresse

“Não há qualquer evidência de que o estresse e a ansiedade causam úlceras”, afirmou Greenwald. Mas ele e outros especialistas afirmam que o estresse pode agravar os sintomas.

“Se você está sentindo algum desconforto causado pela úlcera e está se sentindo ansioso ou estressado por causa da úlcera, os sintomas podem se tornar um pouco mais pronunciados”, afirmou Greenwald.

Na verdade, “um número cada vez maior de especialistas em saúde comportamental está fazendo parte das práticas gastroenterológicas. Chamamos isso de psicogastroenterologia”, afirmou Keefer.

Ela faz parte do programa gastrointestinal de Hospital Mount Sinai. Assim, depois que os pacientes se consultam com um nutricionista para saber mais sobre a úlcera, a doença de Crohn, ou a síndrome do intestino irritável, podem se consultar com uma psicóloga. “É muito menos estigmatizante dessa maneira”, afirmou.

“O estresse, a ansiedade e a preocupação só atrapalham a recuperação. Estresse é qualquer coisa que exige que o corpo se adapte. Se você está consumindo recursos por causa do estresse, seu corpo não está se concentrando na recuperação”, afirmou Keefer.

Demorou cinco semanas para minha úlcera sarar. Então, imagino que já posso comer um burrito carregado de molho apimentado. Mas meu medo continua lá. Ainda não perdoei o iogurte probiótico que deixou meu estômago em chamas um dia depois do diagnóstico. E tenho certeza que nunca vou perdoá-lo.