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Quem foi a pioneira da tecnologia que revolucionou a edição de texto

Foto de Evelyn Berezin, a pioneira da tecnologia que criou o primeiro processador de texto, quando era presidente da Redactron Corporation em 1976 - NYT
Foto de Evelyn Berezin, a pioneira da tecnologia que criou o primeiro processador de texto, quando era presidente da Redactron Corporation em 1976 Imagem: NYT

Robert D. McFadden

17/12/2018 14h00

Evelyn Berezin, uma pioneira da computação que tirou muitas secretárias do desgastante trabalho nas máquinas de escrever há quase meio século, construindo e comercializando o primeiro processador de texto computadorizado, morreu no sábado (9) em Manhattan. Ela tinha 93 anos.

Marc Berezin, um sobrinho, confirmou a morte de Berezin que vivia numa casa de repouso.  Ele disse que ela havia descoberto que tinha um linfoma havia alguns meses, mas preferiu abandonar o tratamento.

Em uma época em que os computadores estavam em sua infância e poucas mulheres estavam envolvidas em seu desenvolvimento, Berezin não apenas projetou o primeiro processador de texto verdadeiro; em 1969, ela também foi fundadora e presidente da Redactron Corp., uma startup de tecnologia de Long Island que foi a primeira empresa exclusivamente engajada na fabricação e venda de máquinas revolucionárias.

Para as secretárias, que constituíam 6% da força de trabalho americana na época, os processadores de texto Redactron chegaram aos escritórios como um baú de truques de mágica, liberando os usuários da tirania de ter de redigitar as páginas marcadas por teclas ruins e a monotonia de copiar páginas para distribuição mais amplas. As máquinas eram volumosas, lentas e barulhentas, mas podiam editar, apagar e cortar e colar texto.

Processadores de texto modernos, que aparecem como programas em computadores, há muito tempo simplificaram as tarefas de autores, jornalistas e outros escritores --às vezes, após o temor sobre o risco de se renderem a um futuro de tecnologia distópica--, mas se tornaram tão eficientes em escritórios que mataram a necessidade da maioria das habilidades de secretariado antiquadas que Berezin estava tentando melhorar.

Primeiro processador de texto computadorizado, fabricado pela Redactron Corporation - NYT - NYT
Primeiro processador de texto computadorizado, fabricado pela Redactron Corporation
Imagem: NYT

"Estou com vergonha de lhe dizer que nunca pensei nisso --nunca passou pela minha mente" que o processador de texto poderia pôr em risco os empregos das mulheres, disse Berezin em uma entrevista para este obituário em 2017. Embora ela não fosse uma feminista ardente, disse, a primeira propaganda do processador de texto Redactron foi colocada na revista Ms. em 1971, elogiando a "morte do secretário inoperante".

Berezin chamou seu computador de "secretária de dados". Tinha 40 polegadas de altura, do tamanho de uma pequena geladeira, e não tinha tela para as palavras passarem. Seu teclado/impressora era um IBM Selectric Typewriter com uma cabeça de impressão do tamanho de uma bola de golfe. O dispositivo tinha 13 chips semicondutores, alguns dos quais projetados por Berezin, e lógica programável para comandar suas funções de processamento de texto.

Versões posteriores dos processadores de texto Redactron vieram com telas de monitor de texto, impressoras separadas, caches de memória maiores, consoles menores, velocidades de processamento mais rápidas e mais recursos programados para suavizar as tarefas de gravação e edição.

Com escritórios de advocacia e escritórios corporativos como seus principais clientes, a Redactron vendeu cerca de 10 mil máquinas por US$ 8.000 cada, antes de enfrentar problemas financeiros após sete anos de operação independente. A empresa foi vendida em 1976 para a Burroughs Corp., e Berezin ingressou na empresa como presidente de sua divisão Redactron, cargo que ocupou até 1980. Depois, passou trabalhar com  capital de risco e consultoria.

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Mesmo em seu auge com a Redactron, Berezin não estava sozinha no negócio de processamento de texto. Seu principal concorrente, a International Business Machines, fabricava dispositivos que dependiam de relés e fitas eletrônicas, e não de chips semicondutores. A IBM logo fez sucesso tecnologicamente e inundou o mercado nos anos 70 e 80, perseguida por um rebanho de marcas como Osborne, Wang, Tandy e Kaypro.

Mas, por alguns anos depois que a Redactron começou a distribuir processadores de texto computadorizados em setembro de 1971, Berezin era uma leoa da jovem indústria de tecnologia, destacada em revistas e artigos de jornal como uma polímata aventureira que aprendeu tudo sozinha com a mente lógica de uma engenheira, a curiosidade de uma inventora e as habilidades empreendedoras de uma CEO.

Em um perfil de 1972 no The New York Times, o repórter de negócios Leonard Sloane escreveu: "Berezin, uma pessoa séria e de fala mansa, fala às vezes como uma engenheira de sistemas (que ela é), uma executiva de vendas (que ela é) e uma proponente de um produto sofisticado (que ela é). Ela também é obviamente uma mulher no nível sênior de um campo onde seu sexo ainda é uma raridade em qualquer nível".

No início de sua carreira, Berezin projetou vários sistemas computacionais de uso único. Eles calculavam os campos de tiro das grandes armas, controlavam a distribuição de revistas, mantinham contas para corporações e automatizavam transações bancárias. Ela também reivindicou o crédito pelo primeiro sistema computadorizado de reservas de passagens aéreas do mundo.

Por que essa mulher não é famosa?

Gwyn Headley, escritora e empreendedora britânica, em um post de 2010.

"Sem Berezin", acrescentou entusiasmada, "não haveria Bill Gates, nem Steve Jobs, nem internet, nem processadores de texto, nem planilhas eletrônicas; nada que remotamente conecte negócios com o século 21."

O crédito por suas primeiras conquistas parece ter desaparecido com o tempo, talvez sob a velocidade obliterante da mudança tecnológica, a maior atenção dada a suas concorrentes corporativas e a tendência do mundo tecnológico de diminuir as conquistas das mulheres.

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Embora Berezin tenha entrado no Hall da Fama das Mulheres na Tecnologia,em Los Angeles, em 2011, Matthew G. Kirschenbaum observou no livro "Track Changes: A Literary History of Word Processing" (de 2016, sem tradução para o português), "ela continua sendo uma figura relativamente desconhecida e subestimada, com nenhum lugar perto da estatura de outras mulheres que desempenharam papéis importantes na ciência da computação e na indústria de computadores e, desde então, foram reconhecidas pelos historiadores".

Evelyn Berezin nasceu no Bronx em 12 de abril de 1925, filha de Sam e Rose (Berman) Berezin, imigrantes judeus da Rússia. Seu pai era peleiro e sua mãe era costureira. Evelyn e seus irmãos, Sidney e Nelson, cresceram em um apartamento no East Bronx. Em seu quarto, ela lia ficção científica na revista Astounding Stories, enquanto trens do metrô passavam incessantemente.

Uma estudante precoce em escolas públicas de ensino fundamental e médio, ela se formou aos 15 anos na Christopher Columbus High School, no Bronx. Frequentou aulas noturnas no Hunter College, que só aceitava mulheres na época, e no Brooklyn Polytechnic Institute, onde foi transferida de Hunter por meio de um programa da City University na Segunda Guerra Mundial que permitia a admissão de mulheres em uma escola exclusivamente masculina para o estudo de cálculo e outros assuntos especializados. Ela se formou em física na Universidade de Nova York em 1946 e fez doutorado em física na NYU, mas saiu em 1950 antes de terminar seus experimentos de doutorado.

Ela se casou com o Israel Wilenitz, um engenheiro químico, em 1951, mas manteve seu nome de solteira para fins profissionais. Eles não tiveram filhos. Ele morreu em 2003. Nenhum membro da família imediata sobreviveu.

Berezin entrou para a Electronic Computer Corp. em 1951 como a única mulher em uma empresa repleta de engenheiros no Brooklyn.

Eles me disseram: 'Projete um computador'. Eu nunca tinha visto um antes. Quase ninguém mais tinha. Então eu só tinha que descobrir como fazer isso. Foi muito divertido, quando eu não estava apavorada

Berezin, em perfil de 1972 do Times

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Um de seus primeiros computadores foi projetado para o Departamento de Defesa fazer cálculos de alcance para peças de artilharia e outras armas grandes para atingir seus alvos. Quando a Underwood Typewriter comprou a Electronic Computer em 1957 e interrompeu o desenvolvimento de computadores, Berezin mudou para a Teleregister, uma empresa de Connecticut, onde ela projetou um computador de escritório que mantinha dados de contabilidade e outro que automatizou um sistema bancário nacional.

Mais tarde, ela desenvolveu o que ela chamou de primeiro sistema informatizado de reservas de passagens aéreas do mundo, para a United Airlines, conectando clientes, disponibilidade de assentos de avião e escritórios de companhias aéreas em 60 cidades com tempos de resposta de um segundo.

Alguns historiadores dizem que a American Airlines, usando computadores IBM e um sistema chamado Sabre (Semi-Automated Business Research Environment), desenvolveu o primeiro sistema experimental de reserva de companhias aéreas em 1960. Mas Kirschenbaum, em "Track Changes", escreveu:

Com a ajuda de Berezin, a Teleregister implementou o primeiro sistema automatizado de reservas de companhias aéreas no mundo (para a United Airlines), precedendo o sistema Sabre, que se tornou mais conhecido, em pelo menos um ano

Em 1968, Berezin começou a trabalhar suas ideias para fazer um verdadeiro computador para processamento de texto, usando chips minúsculos, conhecidos como circuitos integrados, ou semicondutores, para gravar e recuperar as teclas digitadas para edição de texto. Desde 1964, a IBM produzia processadores de texto usando um Selectric Typewriter e uma unidade de fita magnética para salvar e recuperar as teclas digitadas. A fita poderia ser corrigida e usada para redigitar texto, mas como a máquina não possuía chips semicondutores, disse Berezin, não era um computador verdadeiro.

Em 1969, Berezin já estava avançada o bastante para projetar o computador. Ela e dois colegas do sexo masculino, com capital de US$ 750 mil, incorporaram a Redactron em um parque industrial em Hauppauge, Nova York, em Long Island. Simultaneamente, a Intel e outras empresas estavam trazendo chips semicondutores para a fruição. Berezin usou alguns deles, junto com vários semicondutores de design próprio, em seu primeiro processador de texto.

De 1980 a 1987, Berezin foi presidente da Greenhouse Management Co., um fundo de capital de risco que investia em empresas de alta tecnologia em estágio inicial. Mais tarde, ela atuou nos conselhos de muitas empresas de tecnologia e foi consultora de tecnologia.

Berezin registrou nove patentes relacionadas a computadores. Sua "secretária de dados" está em exposição no Museu da História da Computação, em Mountain View, na Califórnia.

Como é frequentemente o caso com dispositivos de economia de trabalho, o advento de seu processador de palavras se desenrolou de maneiras imprevisíveis --tornando o trabalho de secretaria mais fácil por um tempo, mas supérfluo mais tarde, muitas vezes para o desânimo dos chefes homens.

Ficou óbvio para os homens que eles não precisavam mais de suas secretárias. Eles poderiam fazer sozinhos a maior parte do trabalho. Mas também aprendemos que, se há algo que um homem odeia, é desistir de sua secretária

Marc Berezin