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Usuários perdem a mão com gastos em 'Candy Crush'; psicólogo explica efeito

A fatura no cartão de crédito, mesmo alta, não pode ser considerada como sinal único dovício no ""Candy Crush"", diz Cristiano Nabuco, especialista do Instituto de Psiquiatria - Arte/UOL
A fatura no cartão de crédito, mesmo alta, não pode ser considerada como sinal único dovício no ''Candy Crush'', diz Cristiano Nabuco, especialista do Instituto de Psiquiatria Imagem: Arte/UOL

Ana Ikeda

Do UOL, em São Paulo

23/08/2013 06h00

“Gastei R$ 360 em um mês comprando vidas e instrumentos no ‘Candy Crush’.” A frase é da comerciante Maria*, mas se encaixa na vida de muitas pessoas que estão entre os 50 milhões de usuários do jogo no mundo. Esperar meia hora para poder voltar a jogar, depois de perder as cinco vidas, é torturante demais para elas. Pagar US$ 0,99 (cerca de R$ 2,40) acaba virando uma solução rápida – e libertadora – para esses usuários terem sua “dose diária” do jogo. O valor alto pago para continuar jogando não é sinônimo de vício, mas é preciso ficar atento a outros sinais indicadores de dependência.

Maria, 50, como muitas pessoas, conheceu o “Candy Crush Saga” por meio de um convite enviado pelo Facebook – no caso da comerciante, pela da filha de 17 anos. “Passei a jogar todos os dias, sempre que tinha uma hora vaga. Cheguei a deixar de ir ao sacolão para ficar em casa jogando”, diz.

Ela explica que, no começo, desconhecia a dinâmica do jogo, que deixa os usuários “de castigo” por meia hora ao perderem todas as vidas, e se lembra da surpresa ao ver a conta do cartão de crédito.“Começa com um gasto de R$ 2,40 [para comprar vidas] e vai aumentando até R$ 7,90 [para comprar melhoramentos]. Depois do susto ao ver a fatura, resolvi parar. E parei”, diz. “Candy Crush”  faz parte de uma categoria chamada "freemium": ele é gratuito, mas o usuário obtém vantagens mediante pagamento.

Cristiano Nabuco de Abreu, coordenador do grupo de dependência tecnológica do IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas, em São Paulo (SP), afirma que o “Candy Crush”, apesar de parecer um jogo de habilidade, está na verdade na categoria daqueles “movidos a dinheiro”.

Nos jogos de habilidade, o usuário é premiado pelo bom desempenho: quanto melhor ele for, melhor a pontuação. Quando o usuário começa a jogar “Candy Crush”, é levado a conquistar essa pontuação mais facilmente nos primeiros níveis, o que reforça sentimentos de confiança e segurança. “Mas ao chegar aos níveis mais altos, nem por habilidade ou sorte ele consegue continuar progredindo. E é nesse momento de estresse que para ele a perspectiva de gastar US$ 0,99 parece inexpressiva”, explica Nabuco.

Além disso, é comum que os usuários passem horas a fio jogando “Candy Crush”. Ao perder vidas ou não conseguir avançar de nível, eles passam por um sentimento de perda. “Ele fica horas debruçado naquela atividade e, de repente, não consegue mais acessá-la. Ele acaba se sentindo mal com aquilo”, analisa o psicólogo.

Há ainda o reforço social criado pela possibilidade de publicar no Facebook o nível atingido no “Candy Crush”. Isso também impele a pessoa a querer continuar jogando, para poder mostrar diante dos amigos sua habilidade e destreza. Novamente, diante do valor “pequeno” cobrado para avançar no jogo, a pessoa compra as vidas e recursos extras.

Foi justamente o que ocorreu com Maria. Ela atribui o gasto alto à competitividade estimulada pelo “Candy Crush”. “Eu ficava competindo com uma adolescente de 17 anos, que não se conformava com o fato de uma pessoa mais velha estar vários níveis acima.”

Faturas “amargas”
O recado de Maria para quem está pensando em conhecer o “Candy Crush” é: “nem comece”. “A não ser que a pessoa seja muito controlada, é melhor ficar longe. Tem muitas pessoas entrando nessa roubada.”

Outro caso de gasto “amargo” com o jogo é o da jornalista Ashley Feinberg, do site Gizmodo. Em um post intitulado “Eu gastei US$ 236 jogando ‘Candy Crush’ e preciso de ajuda”, ela detalha a jornada “deplorável” (segundo suas próprias palavras) em que perdeu o equivalente a R$ 578, “horas de bateria e qualquer resto de dignidade”.

“Tornei-me uma escrava da força implacável dos micropagamentos de ‘Candy Crush’. Era tão fácil. Não parecia que eu gastava dinheiro”, escreveu. Assim como Maria, Ashley é taxativa. “Se você nunca jogou Candy Crush, evite jogar. Não vale a pena.”

  • Reprodução/Gizmodo Brasil

    Fatura mostra gastos de Ashley Feinberg, do site Gizmodo, com o ''Candy Crush''

Sinais de vício
Nabuco frisa que a fatura no cartão de crédito, mesmo alta, não pode ser considerada como sinal único de vício no “Candy Crush” ou outros tipos de jogos sociais. “Seria preciso analisar se a pessoa está interrompendo atividades cotidianas para jogar, não consegue mais se concentrar, acaba perdendo o sono, entre outros fatores.”

O problema, alerta o psicólogo, é que pessoas mais jovens são mais suscetíveis ao vício. “A região do cérebro que controla o freio comportamental só amadurece por volta de 20 e 25 anos. Então, crianças e adolescentes jogando sem a supervisão dos pais têm maior probabilidade de não conseguirem interromper o jogo”, comenta. 

Ainda assim, ele afirma que não há por que temer o game. “O ‘Candy Crush’ não é ruim. Ruim é errar na quantidade de tempo que você dedica a ele.”

Já para o professor de psicologia e ciências cognitivas Tom Stafford, da Universidade de Sheffield, Reino Unido, o ‘Candy Crush’ pode estar relacionado a um fenômeno psicológico chamado efeito Zeigarnik, em que uma tarefa incompleta fica fixada na memória. 

À “BBC”, Stafford explicou que o jogador sente urgência em resolver aquele nível e, ao ter de esperar para voltar a jogar, se vê diante de uma “meia hora durante a qual o problema fica sem solução”. Ao ter de resolver os níveis imediatamente, ele não consegue parar de jogar.

*A identidade não foi revelada a pedido da fonte