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Mergulhador-herói, cientistas, Ford e mais: as tretas de Elon Musk

Elon Musk, CEO da Tesla e da SpaceX, usa ativamente o Twitter. - Reuters
Elon Musk, CEO da Tesla e da SpaceX, usa ativamente o Twitter. Imagem: Reuters

Helton Simões Gomes

Do UOL, de São Paulo

20/07/2018 12h29Atualizada em 23/07/2018 10h32

Não foi só chamar de pedófilo um dos mergulhadores que virou um dos heróis no resgate dos garotos de um time de futebol e seu técnico de uma caverna na Tailândia. Elon Musk, presidente-executivo da Tesla e da SpaceX, tirou o ano de 2018 para colecionar tretas ao disparar farpas contra alvos tão diversos como sua concorrente Ford, a nanotecnologia e jornalistas.

A mais surreal delas, porém, foi uma briguinha pela autoria do desenho de um unicórnio que solta pum.

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Enquanto esteve envolvido em todas essas escaramuças virtuais, Musk teve de enfrentar problemas bem reais em seu quintal, como acusações de insegurança no ambiente de trabalho da Tesla, colisões de seus carros com piloto automático, uma fuga de altos executivos e a pressão para que o mais novo modelo de sua montadora finalmente fosse produzido em massa. Também embarcou em um relacionamento com Grimes, uma cantora aclamada pela crítica, e teve tempo de mandar seu carro para o espaço em um dos foguetes da SpaceX.

Mas vamos às tretas.

O submarino que não servia

Enquanto o mundo se compadecia com a história dos 12 garotos que faziam parte do time de futebol Javalis Selvagens e de seu treinador, que há dias estavam presos em uma caverna alagada, um salvador surgiu. Musk propôs usar sua equipe de engenheiros, acostumados a construir foguetes espaciais, para criar um minissubmarino capaz de tirar os jovens de lá. Só que o governo da Tailândia considerou o equipamento impraticável, devido à complexidade da caverna, que combina trechos em que se pode caminhar com partes onde se deve nadar.

“Ainda que esse equipamento seja tecnologicamente sofisticado, [o submarino] não se encaixa na nossa missão na caverna”, afirmou Narongsak Osotthanakorn, governador da província em que o acidente ocorreu e chefe da equipe de resgate.

O bilionário, obviamente, não gostou. Disse que o tailandês não era a autoridade “especialista no assunto”, com quem ele vinha conversando. “Esse [especialista] seria Dick Stanton, que co-lidera a equipe de mergulhadores envolvidos no resgate”.

Mergulhador pedófilo

Após o resgate, um dos mergulhadores envolvidos, o britânico Vernon  Unsworth, disse em entrevista que o envolvimento de Musk era um “golpe de marketing” sem “absolutamente chance alguma de funcionar” no complexo labirinto de túneis das cavernas. Só que ele não parou por aí e exagerou. Mandou o bilionário “enfiar o submarino onde dói”.

Em resposta, Musk subiu o tom. Para rebater o “mergulhador britânico que vive na Tailândia”, disse que iria “fazer [um vídeo mostrando] o minissubmarino entrando na caverna sem problemas”. E completou: “Desculpe, pedófilo, você pediu por isso”. A ofensa nem tinha sido digerida quando Musk, que foi à Tailândia acompanhar o resgate, ainda questionou se Unsworth havia de fato participado da retirada dos garotos da caverna. “Não vi esse britânico expatriado que vive na Tailândia em nenhum momento quando estávamos na caverna.”

Após ser ameaçado de processo, o bilionário deletou todos os tuítes a respeito do britânico. O pedido de desculpas demorou um dia para vir: “As ações dele contra mim não justificam as minhas ações contra ele, e por isso eu peço desculpas ao Sr. Unsworth e às companhias que eu represento como líder. A culpa é minha e só minha.”

De quem é esse unicórnio?

Musk deixou bem feliz um ilustrador sexagenário quando publicou no Twitter em fevereiro de 2017 um desenho feito por ele: um unicórnio peidando estampado em uma caneca. O norte-americano Tom Edwards não gostou nada, no entanto, quando viu que a Tesla havia incorporado sua criação ao sistema operacional de seus carros e a utilizado em cartões de natal virtuais distribuídos a motoristas.

Tuíte de Elon Musk que mostra caneca estampada com imagem de unicórnio soltando pum. - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Imagem: Reprodução/Twitter

“Isso agora é parte da marca deles agora”, disse Edwards ao jornal “Guardian”. “Eu amo o fato de que isso está nos carros, mas eu só quero que eles façam a coisa certa e paguem adequadamente por isso. Elon Musk pode ser um herói a se levantar pelos direitos dos artistas.”

Não foi o que aconteceu. Após o advogado de Edwards enviar uma carta à Tesla em que propunha um acordo e não ter sido respondido, a filha do ilustrador entrou em ação. “Ouçam todos, o namorado da Grimes roubou a arte do meu pai. Isso é uma história verdadeira. O que você tem a dizer, Musk?”, tuitou Lisa Prank em junho deste ano.

Musk respondeu. “Ele pode me processar por dinheiro se quiser, mas isso é meio tosco. Ainda assim, essa atenção toda já deve ter elevado as vendas da caneca." E voltou à carga, de forma irônica: “Quanto seu pai quer por essa terrível transgressão?” Disse ainda que já oferecera pagamento ao autor do desenho em duas oportunidades, mas Edwards negou ter recebido qualquer proposta.

O necrotério da Ford

Depois de ficar bilionário com o PayPal, Musk se aventurou a criar do zero uma montadora especializada em carros elétricos. Os modelos da Tesla viraram sinônimo de sofisticação, e o executivo faz questão de diferenciar sua empresa das concorrentes, tratadas por ele como velhinhas que usam andadores. Só que a realidade do chão de fábrica tem sido cruel com o veículo mais recente da empresa, o Model  3.

As vendas até agora não engrenaram por dificuldades na produção. Uma das soluções foi montar uma espécie de tenda fora da linha de montagem para ampliar a fabricação. Em entrevista ao jornal “Wall Street Journal”, Musk tentou amenizar o aspecto de improviso da solução.

“Eu acho que tem uma vibe legal lá – eu acho que a energia é boa. Vá à Ford, é algo como um necrotério.”

Model 3, carro da Tesla. - Tesla - Tesla
Tesla atingiu valor de mercado maior que o da GM em 2017
Imagem: Tesla

A resposta da empresa centenária foi um chute onde doí. “Não há a menor dúvida de que a vibe é ‘funky’ nessa ‘tenda da manufatura’, mas também não é ruim do outro lado da rua na fábrica da Ford, onde um F-150 de alta tecnologia e alta qualidade sai da linha a cada 53 segundos, quase como um relógio”, afirmou Mark Truby, vice-presidente de comunicações da Ford. A palavra 'funky', usada por ele, pode tanto significar algo legal e bacana ou que cheire mal.

Não foi a primeira vez que Musk usa assuntos aleatórios para direcionar seu carinho à Ford. Depois de uma reportagem da Fox mostrar como até os estagiários da Tesla foram capazes de identificar e corrigir erros nos carros da empresa, o executivo disparou:

“A Ford já teve 3 CEOs em 4 anos e ninguém nunca soube deles, mas, hey, a Tesla contratou alguns estagiários.”

Entediantes e estúpidas 

Durante uma conferência com analistas, realizada para discutir os resultados financeiros do primeiro trimestre de 2018 da Tesla, Musk não gostou muito do teor das perguntas dirigidas a ele. Os especialistas estavam interessados em saber como a empresa conseguiria se capitalizar para manter suas promessas, algo que poderia interessar investidores.

“Qual seria, exatamente, a posição de vocês em termos de capital requerido?”, perguntou o analista Toni Sacconaghi, da consultoria Sanford C. Bernstein. Mas Musk não estava a fim. “Desculpa. Próxima [pergunta]. Perguntas entediantes e estúpidas não são bacanas. Qual a próxima?”

A punição do mercado veio rápido e, no mesmo dia, as ações da Tesla caíram mais de 5%.

Humanos são subestimados

Um dos problemas identificados para a linha de montagem da Tesla não ser tão ágil quanto Musk prometia era o grande uso de robôs. A coordenação dessas máquinas não saiu como o esperado. Como consequência, o Model 3 não foi produzido de forma massiva.

A resposta de Musk, de abril deste ano, a uma reportagem que tratou desse assunto não foi algo que se possa chamar de elogio à raça humana.

“Sim, automação excessiva na Tesla foi um erro. Para ser preciso, meu erro. Humanos são subestimados.”

Vocês, da mídia

Insatisfeito com artigos da imprensa sobre seus negócios, Musk desabafou no Twitter.

“O problema é que os jornalistas estão sobre constante pressão para obter o máximo de cliques e ganhar dólares com anúncios ou são demitidos. É uma situação engraçada, já que a Tesla não faz propaganda, mas as companhias de combustíveis fósseis e as que fazem carros movidos a gás/diesel estão entre as maiores anunciantes do mundo.”

Depois disso, sugeriu uma nova ferramenta. “Vou criar um site em que o público pode avaliar a verdade central de cada artigo e rastrear a nota de credibilidade de cada jornalista, editor e publicação. Estou pensando em chamar isso de Pravda”, disse no Twitter em maio deste ano.

Não contente, abriu uma votação em seu Twitter. Perguntou se deveria ou não criar o tal Pravda. Enquanto a alternativa “Sim, isso seria bom” ganhava de lavada da “Não, a mídia é incrível”, Musk aproveitou para provocar. ”Vamos lá, mídia, vocês podem virar isso. Arranjem mais gente para votar em vocês, afinal, vocês são literalmente a mídia.”

Nanotecnologia, essa babaquice

Ao ver os ataques de Musk a veículos de imprensa, a bióloga molecular e pesquisadora de nanotecnologia Upulie Divisekera foi direta: “Com todo o respeito, isso é patético”.

Em vez de justificar sua ideia ou reafirmar suas motivações, Musk resolveu atacar a cientista. “Você tem ‘nano’ na sua biografia. Isso é 100% sinônimo para bobagem”, respondeu. “Nano se aplica a tudo e, portanto, a nada. Definitivamente indica uma bobagem”, continuou.

Só que a nanotecnologia é o ramo da ciência que estuda como partículas muito pequenas – na casa dos nanômetros – podem ser usadas e manipuladas. Seus conhecimentos são empregados da computação à engenharia de redes, passando pela biotecnologia. Isso despertou a ira da comunidade científica. “De todos os penhascos para se jogar e morrer em 2018, voltar-se furiosamente contra um prefixo científico não é absolutamente um que eu poderia prever para Elon Musk”, afirmou o comunicador Ketan Joshi.

E ele mesmo ainda deu uma pequena lição a Musk.

“Há milhares de produtos picaretas de energia solar que usam as palavras ‘solar’ e ‘renovável’ para enganar consumidores. Isso não quer dizer que pessoas pesquisando (ou vendendo) tecnologia solar estão fazendo cascata.”

Esse foi outro chute onde dói, já que a Tesla, empresa da qual Musk é presidente, possui áreas de negócio focadas na produção de painéis solares. E Joshi parou por aí.

"Pseudociência não é maléfica apenas porque convence pessoas a se apoiar em coisas que absolutamente não funcionam; ela também deslegitima termos científicos reais."