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Links e memes sob risco: Europa aprova lei que pode mudar a internet

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Rodrigo Lara

Colaboração para o UOL Tecnologia

12/09/2018 10h23

O Parlamento Europeu aprovou, nesta quarta-feira (12), a chamada Diretiva de Direitos Autorais. Trata-se de uma legislação que, em sua premissa mais básica visa adequar e atualizar as leis de direitos autorais tendo como pano de fundo a era digital e a massificação da internet.

Em termos práticos, no entanto, essa diretiva - uma espécie de norma sobre a qual os países membros do União Europeia produzirão suas leis - tem o potencial para causar uma mudança profunda na internet que conhecemos hoje. Ela já havia sido rejeitada em julho, por conta de dois dos seus artigos, o 11 e o 13.

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Enquanto o primeiro criaria uma espécie de taxinha sobre links, quando plataformas como Google e Facebook precisariam pagar para publicarem até mesmo prévias de conteúdos de terceiros, como sites de imprensa, o segundo artigo implicativa em criar filtros mais severos para upload de conteúdo, o que poderia significar, entre outras coisas, o fim dos memes.

Esses artigos foram levemente alterados e acabaram sendo aprovados no Parlamento por em placar de 438 votos a favor e 226 contra.

"Imposto" de links e fim dos memes?

O que essa nova diretiva determina é uma mudança completa na forma como conteúdo é distribuído na internet. "Os produtores de conteúdo, como veículos de imprensa, poderiam buscar uma autorização, no caso, um pagamento, para permitir que plataformas como Google ou Facebook repliquem seus conteúdos", afirma o professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS), Carlos Affonso de Souza.

O "replicar o conteúdo", no caso, se aplica a qualquer tipo de publicação, incluindo as prévias de links que estamos acostumados a ver quando fazemos uma busca via Google ou quando compartilhamos algo no Facebook.

"Isso de certa forma 'inverte a balança' sobre a questão da publicidade, mas pode criar uma barreira à publicação desse tipo de conteúdo. As grandes empresas de tecnologia podem vir a pagar para utilizarem conteúdos do tipo, mas páginas menores ou agregadores de notícias provavelmente não terão como fazer isso", diz Souza.

Quando a primeira proposta para o Artigo 11 foi apresentada, na metade deste ano, outra questão levada em conta foi a de que pequenos produtores de conteúdo, como blogs, poderiam sofrer um grande impacto em sua visitação - e, consequentemente, em seu faturamento -, uma vez que as grandes plataformas como Google e Facebook poderiam simplesmente se negarem a pagar para indexarem esses conteúdos.

"Considerando que os anunciantes migraram para redes sociais e plataformas online, essa seria uma forma de garantir alguma receita para os produtores de conteúdo. A discussão, no entanto, é saber se essa é a solução adequada para alcançar um equilíbrio nesse sentido", diz Souza.

Já o Artigo 13 é ainda mais polêmico, uma vez que ele determina que plataformas criem filtros para evitar que usuários publiquem na internet material protegido por direitos autorais.

Sabe aquela foto de um ator famoso que se transformou em meme e acabou sendo publicada a torto e a direito por aí? Sob o que versa esse Artigo 13, isso não poderia acontecer.

Seria uma espécie de apocalipse dos memes.

Há uma discussão muito grande no Parlamento Europeu, sobre indústria criativa ter mais controle sobre suas obras. Por outro lado, a gente sabe que é uma medida extrema, já que um filtro automático dificilmente vai saber identificar o que é paródia, sátira, de um conteúdo de fato autoral. Todo meme usando fotos de pessoas famosas, por exemplo, iriam por água abaixo 

Carlos Affonso de Souza, professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS) 

Acerto de contas

Essas diretivas, em especial o Artigo 13 já tinham causado reações negativas. Um exemplo disso foi um documento assinado por vários especialistas e pioneiros da internet, incluindo Tim Berners-Lee, inventor da web.

A carta, endereçada a membros do Parlamento Europeu, afirma que, por mais que existe a "preocupação para que haja uma justa distribuição de receitas provenientes do uso online de materiais protegidos por direitos autorais, de maneira que criadores, publishers e plataformas sejam igualmente beneficiados", o Artigo 13 "não é a forma correta de se alcançar isso".

"Ao exigir que as plataformas de internet façam filtragens automáticas de todo o conteúdo que seus usuários publicam, o Artigo 13 representa um passo sem precedentes para fazer a internet deixar de ser uma plataforma aberta para compartilhamento e inovação, transformando a rede em uma ferramenta de vigilância automatizada e controle de seus usuários".

A opinião é corroborada por Souza, que tem "sinceras dúvidas de que essa resposta da Europa é a melhor".

Para ele, a internet vive um bom momento no sentido de produção cultural, uma vez que a popularização de serviços de streaming de conteúdo, como Netflix e Spotify, acabaram, indiretamente, sendo armas contra a pirataria.

A gente teve, na década passada, uma cultura de pirataria gigantesca. A minha preocupação é que medidas tão rigorosas como essas acabem empurrando pessoas acostumadas com uma certa liberdade criativa para fora de plataformas mais estabelecidas. E aí a gente, novamente, voltaria a uma cultura de pirataria

Carlos Affonso de Souza

O especialista também reforça que a Europa vive um momento de revisão e criação de novas leis aplicáveis à internet. No início deste ano, tivemos a GDPR, que regulamentou a proteção de dados de pessoas físicas e acabou causando efeitos em todo o mundo. Estaríamos, portanto, vendo um grande acerto de contas.

Não seria surpresa nenhuma que, em proporções distintas, ocorra o mesmo com essa nova legislação. "Não acarretaria uma mudança imediata, mas serviria de influência", aponta Souza.

"A lei, sozinha, não é suficiente para mudar hábitos enraizados. A Europa corre um risco ao endurecer demais as regras. As pessoas vão se opor a um controle extremo que não é compatível com a internet e vão buscar alternativas para ter liberdade para acessar e transformar conteúdos".

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