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Pode isso? Email e WhatsApp após o expediente contam como hora extra?

Nem todo empregado tem direito a banco de horas ou hora extra ao responder chefe fora de hora - Getty Images
Nem todo empregado tem direito a banco de horas ou hora extra ao responder chefe fora de hora Imagem: Getty Images

Marcelle Souza

Colaboração para o UOL 

17/12/2018 04h00

A realidade é que a gente vive o tempo todo conectado, o que para muita gente torna ainda mais difícil ter folga de verdade do trabalho. Sendo assim, sempre pinta a dúvida: será que é preciso responder aquele email ou mensagem de WhatsApp do chefe mesmo depois do expediente?

Segundo especialistas ouvidas pelo UOL Tecnologia, a resposta é "depende".

"Se o empregado for acionado por esses meios fora do horário de expediente, ele está trabalhando. E tudo que ultrapassar o limite imposto pela Constituição, de oito horas diárias e 44 horas semanais, deve ser pago ou compensado", diz a juíza Noêmia Porto, vice-presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).

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Por exemplo, o seu chefe manda um WhatsApp pedindo um relatório às 21h30 e você responde com o texto às 22h. Essa meia deve ser somada à jornada de trabalho que você já tinha cumprido presencialmente. Se o total extrapolar a jornada estipulada, a diferença deve ser paga em horas extras ou ir para um banco de horas.

A regra vale para equipamentos e contas coorporativas, mas também se o contato for feito para o seu número ou email pessoal.

Mas, para não restar dúvidas, antes de exigir as horas a que você tem direito é preciso fazer a seguinte pergunta: existe a obrigação (implícita ou explícita) de responder o seu chefe naquele momento? Ou você pode esperar até o horário do experiente?

"Isso fará muita diferença para o juiz, porque, se tiver obrigação, seja por receio de demissão ou porque estava combinado ou era esperado, significa que esse é um tempo à disposição da empresa. Mas se não tem problema responder dentro do seu horário de trabalho, então não pode ser contado como jornada", explica a juíza.

Quem fica de fora

Outro detalhe importante é que nem todos os trabalhadores estão submetidos a essa regra e esses, portanto, não têm direito a horas extras.

A primeira exceção são os que exercem alguma atividade externa e não há meios de o empregador controlar seu horário. "É o caso de quem fica todo o tempo fora, faz a sua própria jornada, pode trabalhar muito em um dia e nada no outro, como um vendedor que não tem um número fixo de clientes para visitar por dia", afirma a advogada Fabíola Marques conselheira da OAB-SP (Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil) e professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

O segundo grupo sem direito ao limite de jornada de 44 horas semanais são os funcionários que ocupam cargos de gerência ou de gestão. "Eles têm que ganhar mais do que os subordinados, e como têm um cargo de confiança já estariam sendo remunerados por isso", explica a advogada. Ou seja, chefes podem ser cobrados pela conexão extra.

A terceira hipótese foi incluída com a reforma realizada no ano passado, quando a lei instituiu a possibilidade do teletrabalho. Esse é o funcionário que faz home office e, em geral, mantém-se conectado à empresa por meio da tecnologia.

Essa última possibilidade, no entanto, é controversa para juízes e advogados. Isso porque muitos entendem que ela poderia ser questionada na Justiça, especialmente nos casos em que, mesmo em home office, há necessidade de cumprimento de horário pelo empregado e existe um controle da jornada de trabalho pela empresa.

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"Essa previsão só alcança contratos firmados após novembro de 2017, quando a norma entrou em vigor. Isso significa que é muito recente e os casos ainda não estão chegando à Justiça. Mas eu posso dizer que os juízes têm defendido a tese de que existe sim controle da jornada de trabalho", explica a vice-presidente da Anamatra.

Segundo a tese, esse ponto da reforma trabalhista iria contra a Constituição Federal e Convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e pode chegar a ser discutido no futuro pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Direito à desconexão

Não é só no Brasil que as novas tecnologias têm mudado as relações trabalhistas. Na França, entrou em vigor em janeiro de 2017, a chamada Lei da Desconexão. Segundo o texto, as empresas não podem exigir que os funcionários respondam mensagens eletrônicas dos chefes depois do horário de expediente.

A norma francesa serviu de inspiração ainda para um projeto de lei que tenta tornar ilegal na cidade de Nova York qualquer comunicação eletrônica entre empregados e empregadores fora da jornada de trabalho.

"Essa sociedade hiperconectada é algo muito recente, e o direito vai reagindo com um tempo mais vagaroso, mas é algo muito importante, porque já estamos vendo que a hiperconexão tem levado muitos trabalhadores a adoecer. Além disso, a jornada exaustiva e o excesso de disponibilidade do trabalhador podem causar um dano existencial, afetando seu descanso, suas perspectivas para o futuro, sua vida particular e as relações de afeto", diz a juíza.