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Quem ganha a discussão quando humano e robô debatem um tema polêmico?

O robô debatedor da IBM e o campeão de debates Harish Natarajan disputaram para ver quem vencia uma discussão - Divulgação
O robô debatedor da IBM e o campeão de debates Harish Natarajan disputaram para ver quem vencia uma discussão Imagem: Divulgação

Helton Simões Gomes

Do UOL, em San Francisco*

12/02/2019 15h58

Um robô e um homem começam a discutir. Até parece o início de uma piada ruim, mas foi exatamente isso que aconteceu na noite desta segunda-feira (11) em San Francisco, na Califórnia. Ainda que máquinas tenham um longo histórico de chutar o traseiro de seres humanos, o final era imprevisível.

Era a primeira vez que o sistema de inteligência artificial criado para levantar argumentos em uma discussão enfrentava um ser humano. E, logo na estreia, pegou uma pedreira: o campeão de debates Harish Natarajan. Contava a seu favor o retrospecto favorável de sua criadora, a IBM. Ela desenvolveu o supercomputador Deep Blue que derrotou o campeão de xadrez Garry Kasparov em 1997 e o Watson, que venceu dois mestres no jogo de perguntas e respostas Jeopardy. 

Agora, no entanto, o jogo era muito diferente de antecipar os movimentos de peças em um tabuleiro ou de acumular grande conhecimento geral: os oponentes tinham de convencer a plateia de que o ponto de vista defendido por eles era o mais razoável. A ansiedade pelo que viria era tanta que até a presidente-executiva da IBM, Ginni Rometty, acompanhou tudo - ainda que de pé num cantinho do auditório.

O mediador escolhido foi o jornalista John Donvan, que modera a Intelligence Squared US, uma plataforma de debates que promove discussões sobre temas sensíveis da conjuntura econômica, política e social. O tema do debate era o subsídio para pré-escolas, ou seja, o custeio com dinheiro público de parte dos gastos de pais que mantêm os filhos na pré-escola. Os dois competidores não tiveram acesso ao tópico da discussão antes para que não pudessem se preparar.

GANHAR OU PERDER

Antes de os argumentos começarem a ser disparados, o diretor da área de pesquisa da IBM, Dario Gil, subiu ao palco. Como foi seu time quem criou o robô inteligente debatedor - ou melhor: A robô debatedora -, ele falou algumas palavras a título de introdução. 

"Para nós, isso não é realmente sobre ganhar ou perder. É sobre criar a habilidade de reproduzir ricamente a linguagem humana."

Pareceu que estava tentando antecipar uma explicação para a derrota vergonhosa que se seguiria. Mas a robô evitou ser acometida por alguma síndrome de vira-latas e partiu para o ataque já na abertura de seu argumento.

"Parabéns, Harish. Eu ouvi que você estabeleceu um recorde mundial competindo contra humanos, mas eu suspeito que você nunca debateu com máquinas. Bem-vindo ao futuro."

A plateia, cheia de participantes do IBM Think, adorou e aplaudiu a provocação. A partir daí, a robô tentou defender que a existência de subsídios para a pré-escola não são apenas dinheiro gasto, mas bem gasto, pois pode combater a pobreza e melhor preparar crianças para o futuro.

"Quando subsidiamos a escola, nós estamos fazendo bom uso do dinheiro governamental, porque ela carrega benefícios para a sociedade como um todo."

A segunda vez em que a robô arrancou risadas e aplausos do público foi involuntária.

"Ainda que eu não tenha vivido a pobreza diretamente e não tenha nenhuma reclamação sobre as minhas condições de vida, eu tenho algumas considerações a compartilhar: algumas pesquisas mostram que crianças que tiveram uma boa pré-escola podem superar as desvantagens da pobreza."

Ela citou ainda diversos estudos de que uma boa formação escolar pode reduzir crimes, aumentar as condições de saúde e reduzir o abuso infantil. No final de sua declaração, até tentou antecipar o que seu adversário diria. "Vocês possivelmente ouvirão meu oponente falar em prioridades diferentes sobre subsídios. Ele pode dizer que subsídios são necessários, mas não para pré-escolas. Eu gostaria de perguntar: Mr. Natarajan, se concordamos em princípios, por que não analisar as evidências e os fatos para decidir de acordo com eles?"

SURPREENDENTEMENTE HUMANO

Parecia um final arrasador. Até que Natarajan começou a falar. Ele elogiou a variedade de dados e detalhes apresentados pela robô, mas trouxe outro ponto de vista para a discussão: os recursos usados para subsidiar a pré-escola jamais poderiam ajudar os pobres porque eram integrantes da classe média quem usufruíam desse tipo de serviço.

"No fim das contas, a realidade dos subsídios para a pré-escola é que isso é só uma forma motivada politicamente de jogar dinheiro fora para a classe média."

Para ele, se o objetivo era diminuir a pobreza, haveria outros programas que mereceriam maior atenção, como o de cuidados de saúde.

Dada a realidade de oportunidades aqui, o problema é que você está pegando o dinheiro de todos os contribuintes e ajudando os indivíduos na nossa sociedade que já recebem as melhores ofertas. Eu não acho que isso seja justificado do ponto de visto de distribuição de recursos do estado.

Harish Natarajan

Antes da segunda rodada, o moderador John Donvan fez um rápido resumo dos argumentos disparados pelos dois lados e pela forma como o fizeram - deu especial atenção à forma como a robô parecia à vontade.

"Ela lançou diversas piadas enquanto falava e foi surpreendentemente encantadora e humana, eu diria. Mas encantador e humano também foi o humano Narish."

FÁCIL PARA VOCÊ, HUMANO

Antes do fim do debate, Narish e a robô debatedora ainda disputaram mais uma rodada de argumentos. A partir daí, o público foi convidado a votar novamente - antes do início da discussão, as pessoas na plateia foram perguntadas de que lado estavam: apoiavam ou repudiavam os subsídios para a pré-escola? O vencedor seria o competidor a fazer mais gente mudar de lado.

Antes de o resultado ser divulgado, Donvan reuniu Natarajan e dois pesquisadores da IBM Research, Ranit Aharanov e Noah Slonin, para falar sobre a robô debatedora.

Slonin explicou como as engrenagens dela se movem antes de um argumento ser construído. 

Ela pesquisa por pequenas amostras de texto no meio de 10 bilhões de sentenças retiradas de artigos de jornais. Desse extrato, ela descarta sentenças redundantes e seleciona os posicionamentos mais fortes e as evidências que corroboram seu ponto de vista. Feito isso, usa essas informações para compor uma narrativa de modo que todos os argumentos caibam em um discurso de 4 minutos.

Na hora de responder, a robô debatedora usa o sistema de reconhecimento de voz do Watson para identificar as palavras de seu oponente - Watson é a plataforma de inteligência artificial da IBM que é usada por diversas empresas como Bradesco, por exemplo. Feito isso, passa a dar significado a essas palavras para tentar antecipar os argumentos de seu oponente. O objetivo é tentar rebatê-los de antemão ou sustentar uma posição com a qual seu rival não possa lidar. Ufa. Diante de todo esse trabalho, Slonin afirmou que a robô até que se saiu bem.

"O sistema foi muito consistente em argumentar a favor do seu ponto de vista. Para nós [seres humanos], isso parece muito natural, mas, para uma máquina, entender automaticamente que um argumento específico está suportando o tópico e não contrastando com ele é muito difícil."

Mesmo com todo esse esforço, as pessoas acharam que Natarajan foi mais convincente e ele acabou ganhando o debate.

Um dos poucos humanos a se sair bem contra os robôs da IBM, ele, que já derrotou tantos seres humanos, ficou surpreso com o desempenho da robô. "É fascinante ouvi-la porque eu posso ver quanta capacidade ela tem de absorver conhecimento e de contextualizar o conhecimento de seres humanos."

*O jornalista viajou a convite da IBM