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Agora os juízes precisam interpretar até mesmo emojis para dar vereditos

"Se você tiver um rosto piscando após a frase em texto, você lerá a frase de maneira muito diferente do que sem o rosto que pisca", diz pesquisador - Reprodução/WABetaInfo
"Se você tiver um rosto piscando após a frase em texto, você lerá a frase de maneira muito diferente do que sem o rosto que pisca", diz pesquisador Imagem: Reprodução/WABetaInfo

Márcio Padrão

Do UOL, em São Paulo

19/02/2019 13h02

Um levantamento de Eric Goldman, professor de direito da Universidade de Santa Clara (EUA), teve seus dados apresentados no site "The Verge" na segunda-feira (18) e eles revelam uma realidade nova para nós. As referências a emojis e emoticons cresceram mais de 30% de todos os casos de 2018 na Justiça americana em relação ao ano anterior.

O que isso quer dizer? Que à medida que os tribunais estão se vendo obrigados a interpretar mais emojis em seus julgamentos, é possível que a importância dessas carinhas e símbolos passará a ser mais decisiva nas decisões jurídicas.

Em resumo: tenha cuidado com seus emojis, principalmente em conversas mais sérias. Pois eles poderão ser usadas contra você no tribunal. O pesquisador diz que a entrada do emoticon nessa área começou em 2004. Em 2017, foram 33 casos, e em 2018, 53.

E isso porque o sistema de busca dos EUA conta os casos rastreados com as palavras "emoji" e "emoticon". Os bancos de dados não lidam com os emojis reais que são vistos como imagens em anexo --como capturas de tela, por exemplo.

Um levantamento mais antigo de outra fonte, do site "The Marshall Project", contabilizava apenas nove casos onde emojis são citados. Ele data de 2015, há meros quatro anos.

A reportagem do "The Verge" usa alguns exemplos para ilustrar a importância crescente dos emojis. Na Bay Area, na costa oeste americana, um homem foi preso acusado de prostituição. Entre as evidências estava uma série de mensagens do Instagram que ele teria enviado a uma mulher dizendo: "O trabalho em equipe faz o trabalho dos sonhos" com emojis de saltos altos e sacola de dinheiro no final da frase.

Enquanto os promotores implicavam uma relação de trabalho entre os dois, o réu se defendeu dizendo que ele estava tentando estabelecer um relacionamento romântico.

Um especialista em tráfico sexual foi chamado para testemunhar. Ele disse que os saltos altos e bolsas de dinheiro traduziam-se para "usar seus saltos altos para ganhar algum dinheiro". Outra mensagem do acusado incluía o emoji da coroa, que significaria que o "cafetão é o rei". Em última análise, a decisão não dependeu da interpretação dos emojis, mas estes forneceram apoio probatório.

Em 2017, um casal em Israel foi cobrado em milhares de dólares em honorários depois que um tribunal decidiu que seu uso de emoji a um senhorio sinalizava a intenção de alugar seu apartamento. Depois de mensagem confirmando que eles queriam o apartamento, com emojis de champanhe, esquilo e cometa, eles pararam de responder aos textos do proprietário e passaram a alugar um apartamento diferente.

O tribunal declarou que o casal agiu de má-fé, afirmando que os "ícones transmitiam grande otimismo" que "naturalmente levaram à grande confiança do demandante no desejo dos réus de alugar seu apartamento".

Ainda assim, é raro que os casos ativem as interpretações de emoji. "Eles aparecem como provas, os tribunais têm que reconhecer sua existência, mas muitas vezes eles são imateriais", diz Goldman. "É por isso que muitos juízes decidem dizer 'emoji omitido' porque eles não acham que isso seja relevante para o caso."

Mas os emoji são uma parte crítica da comunicação e nos casos em que as transcrições da comunicação online são lidas para o júri, eles também precisam ser caracterizados em vez de serem ignorados. "Você pode imaginar que, se você tiver um rosto piscando após a frase em texto, você lerá a frase de maneira muito diferente do que sem o rosto que pisca", diz o pesquisador ao "The Verge".

Goldman dá três sugestões para os juízes ficarem espertos com os emojis: certificar-se de que os advogados apresentem as representações exatas de emojis que seus clientes viram; de que o pesquisador de fatos do caso consiga ver os emojis para que ele possa descobrir seu significado direto; e exibi-los em suas opiniões judiciais, sem omiti-los ou tentar caracterizá-los textualmente.

A pergunta que não quer calar: quando isso vai acontecer no Brasil? Até o momento, o caso mais relevante envolvendo emojis foi quando o TSE (tribunal Superior Eleitoral) negou pedido do então candidato a presidente nas eleições de 2018, Jair Bolsonaro (PSL), para sustar peça de Geraldo Alckmin (PSDB) com emoji de vômito. Na época, o ministro Alexandre de Moraes concordou com o relator do caso, ministro Carlos Horbach, que o recurso das faces estilizadas vomitando é "extremamente banal e não se enquadra nas vedações da Lei das Eleições".