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Por que não pode gravar ou fotografar crianças sem pedir --e nem postar

Tirar fotos de crianças requer alguns cuidados - Getty Images/iStockphoto
Tirar fotos de crianças requer alguns cuidados Imagem: Getty Images/iStockphoto

Do UOL, em São Paulo

26/02/2019 14h26

Uma carta enviada nesta segunda-feira pelo MEC (Ministério da Educação) a escolas de todo o país provocou reações no meio educacional e entre pais de estudantes: o ministro Ricardo Vélez Rodríguez pedia que os representantes das escolas filmassem os alunos no primeiro dia de aula deste ano, "voluntariamente" perfilados diante da bandeira do Brasil para a execução do Hino Nacional. Os vídeos deveriam ser enviados à assessoria de imprensa da pasta ou à Secretaria de Comunicação da Presidência da República.

Ao UOL, Arthur Fonseca Filho, presidente da Abepar (Associação Brasileira de Escolas Particulares), disse: "Não posso filmar aluno meu, maior e menor de idade, sem autorização expressa [dos pais] e enviar isso [ao governo]."

Não pode mesmo. O MEC emitiu nesta terça (26) nova nota, que faz referência à necessidade de autorização dos responsáveis para filmagem dos estudantes, mas mantém o pedido para que as escolas gravem o evento no primeiro dia de volta às aulas e enviem o vídeo para o ministério.

Fica o alerta: é indispensável para qualquer pessoa pedir a autorização dos responsáveis antes de tirar, publicar ou compartilhar a foto de um menor de idade. 

Não é chatice. 

  1. É uma questão de respeito. Os pais podem não querer expor o filho na internet ou ter parâmetros de privacidade diferentes dos seus. Isso vale para eventos escolares e também para aquela visita ao recém-nascido, por exemplo.
  2. Pode haver risco ou constrangimento para a criança, mesmo que seja a sua intenção
  3. É ilícito divulgar imagens de qualquer pessoa sem autorização - pode caber indenização por danos morais ou materiais

Crianças também são sujeitos de direito, assim como os adultos. Elas têm o direito de imagem, à privacidade, à inviolabilidade da sua intimidade. Tanto pais quanto terceiros têm um dever, não só moral, mas sobretudo legal, de preservar a criança no universo digital

Alessandra Borelli, advogada especialista em direito digital

As garantias legais aparecem na Constituição Federal, mas também no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que no artigo 18 define que "é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor".

Se em 1990, quando o Estatuto foi promulgado, essa já era uma preocupação importante, imagine agora quanta responsabilidade envolve colocar na internet uma foto de criança.

Lembre-se: a rede é como uma grande praça pública, onde todos podem ver e ser vistos. Uma imagem pode afetar para sempre a reputação de uma pessoa.

Rodrigo Nejm, diretor da SaferNet Brasil, alerta:

Quando a gente fala de crianças um pouco mais velhas, tem que se perguntar: ela quis que os pais ou familiares publicassem essa imagem?

"É importante considerar a sua opinião, porque ela pode acabar sendo constrangida pelos amigos. Desse modo, por mais engraçada que seja a situação, é preciso ter empatia e o mínimo de bom senso e não dar escala para esse tipo de publicação", diz ele.

Os especialistas, no entanto, destacam que não há motivos para pânico. Dá para continuar acompanhando o crescimento daquele sobrinho, neto ou afilhado que mora longe, desde que alguns cuidados sejam tomados.

Evite postar ou compartilhar fotos que:

  • Exponham informações sobre a rotina da criança:

É melhor guardar para você imagens que mostrem o uniforme da escola, o condomínio em que mora ou clube que a criança frequenta. "Todas essas informações podem ser subsídios para uma pessoa mal-intencionada e colocam a criança em risco", diz a advogada.

  • Fotos que possam causar algum constrangimento

"Isso é muito sério, porque a reputação digital é decisiva não só hoje, mas também no futuro. Por isso, é importante ter bom senso. Quando você expõe uma criança em situação constrangedora, ela pode em algum momento ser ridiculizada e, em casos extremos, sofrer cyberbullying", diz o diretor da SaferNet.

  • Imagens que exponham a intimidade

Fotos de crianças tomando banho ou trocando de roupa podem acabar chamando a atenção das redes de pedofilia. "Mesmo que obviamente não seja uma cena erótica, ela pode ser usada por pessoas mal-intencionadas fora de contexto e em situações impróprias", diz o diretor da SaferNet.

Outros cuidados

Além das dicas gerais, pais e responsáveis podem adotar algumas medidas para garantir o registro do desenvolvimento da criança e manter um convívio próximo com familiares e amigos:

  • Restrinja o compartilhamento das fotos

Ao criar grupos com a finalidade de postar imagens do filho, os responsáveis devem selecionar pessoas de confiança e estabelecer alguns acordos prévios. "Eles podem dizer: 'criamos esse grupo com muito cuidado e carinho, mas ele é restrito e, por isso, não gostaríamos que compartilhassem essas fotos em outros espaços'", orienta a advogada.

  • Não deixe tudo no celular

Aparelhos podem ser furtados ou perdidos a qualquer momento. Por isso, evite deixar tudo armazenado no smartphone e faça backups com frequência.

  • Verifique as configurações de segurança e privacidade

Nos sites e nas redes das quais participa, veja quais são as possibilidades de restringir quem pode ver as suas publicações. Prefira ainda aplicativos criptografados (que dificultam que pessoas externas leiam as mensagens) e mantenha o antivírus sempre atualizado.

  • Conheça as regras de cada rede social

Pode parecer chato e demorado, mas vale a pena perder uns minutos lendo os termos de uso do site que você coloca as fotos dos seus filhos, esse é o documento em as empresas informam a política de privacidade adotada e como são tratados os conteúdos publicados. (Com reportagem de Marcelle Souza)

Errata: este conteúdo foi atualizado
Divulgar imagens de terceiros sem autorização não é crime, conforme publicado inicialmente, mas um ilícito civil. O erro foi corrigido.