Topo

Carrefour vende caixinha usada para piratear sinal de TV paga

Set-top-box conhecida como Android TV Box, usado para transformar televisores tradicionais em smart TV e, nesse caso, para piratear sinal de TV paga - UOL
Set-top-box conhecida como Android TV Box, usado para transformar televisores tradicionais em smart TV e, nesse caso, para piratear sinal de TV paga Imagem: UOL

Helton Simões Gomes*

Do UOL, em São Paulo

07/05/2019 09h34Atualizada em 05/08/2021 11h04

Quem passou pelo Carrefour da zona leste da capital paulista na tarde deste sábado (4) ouviu um curioso aviso sonoro. A varejista anunciava que um aparelhinho eletrônico acabara de entrar em promoção. Uma das grandes vantagens dele era transformar televisores tradicionais em smart TVs, que podem se conectar à internet e exibir conteúdos interativos.

Dentre as qualidades do dispositivo, uma chamou a atenção da reportagem do UOL Tecnologia: a caixinha anunciada pelos alto-falantes do supermercado promove a pirataria de sinal de TV por assinatura. Ela libera mais de 8.000 canais de TV paga sem a necessidade de contratar o serviço de alguma operadora ou pagar mensalidades. Também dá acesso a séries e filmes de sucesso, alguns ainda exibidos apenas no cinema, como o blockbuster "Vingadores: Ultimato".

"Vamos contar uma novidade para vocês que é o TV box. E o que é o TV box? O TV box transforma o seu antigo televisor em smart TV, inclusive a sua TV de tubo ou de plasma. E ele desbloqueia mais de 8.000 canais", anunciava o vendedor em uma das unidades do Carrefour, no bairro do Tatuapé.

O vendedor afirmou que o aparelho era encontrado por R$ 849,90 em outros lugares, mas, para clientes do Carrefour, seria vendido por R$ 599,90. Prometia entregar um controle inteligente aos primeiros clientes que fechassem negócio.

tx2 - UOL - UOL
Set-o-box conhecida como Android TV Box vendido no Carrefour
Imagem: UOL

A marca do eletrônico era identificada como Tx2. A caixinha, na verdade, é uma Android TV box, um tipo de eletrônico que roda o sistema operacional do Google e é desenvolvido com o propósito de dar alguma camada de conectividade a televisores nada espertos. Diversas grandes empresas de tecnologia, como Xiaomi e Nvidia, criaram suas versões de Android TV box. Com isso, consumidores que os utilizarem podem fazer com que suas TVs tradicionais exibam serviços conectados como YouTube, Netflix e outros serviços de streaming. Quando é o caso, é preciso ser assinante para ter acesso a alguns desses serviços.

Só que alguns fabricantes aproveitam que o aparelhinho tem esse poder de se conectar à internet para incluir recursos adicionais como a liberação de produtos restritos a clientes pagantes. É aí que entra o lado pirata da caixinha vendida no Carrefour.

A forma como esses aparelhinhos faz a transmissão ilegal de canais se assemelha ao que ocorre em aplicativos de IPTV. Isso faz do serviço ser altamente instável, porque depende da internet do cliente e de o esquema ilícito não ser descoberto pelas operadoras de TV paga e ser retirado do ar.

Questionado pela reportagem, o vendedor no Carrefour afirmou que não haveria perigo de os canais serem bloqueados, porque a caixinha era "legalizada", diferentemente dos dispositivos "piratas" vendidos na Santa Ifigênia, região no centro da capital paulista conhecida por vender eletrônicos e serviços relacionados.

Santa Ifigênia - Reprodução - Reprodução
Rua Santa Ifigênia abriga diversas empresas que vendem eletroeletrônicos e realizam serviços.
Imagem: Reprodução

O UOL Tecnologia não localizou os fabricantes do Tx2. A reportagem contatou desde a manhã de segunda-feira (6) o Carrefour, que só respondeu na tarde de terça. Em sua resposta, o supermercado chama o aparelho de smart TV — o dispositivo é, na verdade, uma caixa Android TV, que tem o poder de fazer televisores tradicionais ganharem a capacidade de uma smart TV. Além disso, a empresa não comentou o fato de uma de suas lojas vender um aparelho equipado com recursos para piratear sinal de TV por assinatura e já equipados com pastas repletas de filmes pirateados. Ela deu a entender que isso poderia ser feito após a compra do aparelho

A rede informa que o equipamento em questão é um aparelho conhecido como "smart TV", que se conecta à internet com sinal Wi-Fi e tem como objetivo permitir a conexão a sites e aplicativos por uma televisão comum. A empresa repudia o uso indevido do equipamento fora desta finalidade original

A Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA) repudiou "que grandes lojas do varejo comercializem equipamentos piratas" e pediu engajamento "na guerra contra este ilícito, o que é uma obrigação ética e moral de todas as empresas com a sociedade brasileira."

Punição

Em seu comunicado enviado à reportagem, a associação aproveitou para tocar em um ponto nebuloso: como a Justiça encara o roubo de sinal de TV paga. A associação defende que a prática é um crime por violar o direito de propriedade dos detentores da programação exibida e por ser concorrência desleal, já que desvia sua clientela e "conta com a sensibilidade dos legisladores na aprovação de leis que criminalizem esta atividade."

A pena para a interceptação ou a recepção não autorizada dos sinais de TV por assinatura é polêmica. O STF (Supremo Tribunal Federal), por exemplo, já se manifestou contra punir quem intercepta o sinal, mas o STJ (Superior Tribunal de Justiça) entende que o caso é de furto simples —o que resulta em pena de reclusão de um a quatro anos mais multa.

Um projeto de lei que pretendia alterar a Lei nº 8.977 para estabelecer uma punição mais dura (detenção de seis meses a dois anos) foi arquivado no final do ano passado. Em enquete no site do Senado, ele recebeu mais de 80% de votos contra.

De qualquer forma, vale lembrar que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo confirmou, em segunda instância, a condenação do youtuber Marcelo Otto Nascimento, responsável pelo canal Café Tecnológico, por promover pirataria de TV por assinatura nas redes sociais. Além da remoção do conteúdo, a Justiça condenou Nascimento ao pagamento de R$ 25 mil por danos morais e materiais à ABTA, autora da ação.

* colaborou Cesar Candido dos Santos