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Não faz sentido ter pressa para trocar de celular (mesmo se você puder)

Menos celulares são vendidos, mas as empresas estão lucrando e os clientes usam modelos por mais tempo - Getty Images
Menos celulares são vendidos, mas as empresas estão lucrando e os clientes usam modelos por mais tempo Imagem: Getty Images

Márcio Padrão

Do UOL, em São Paulo

13/05/2019 09h46Atualizada em 13/05/2019 15h54

Resumo da notícia

  • Fabricantes já encaram trimestres consecutivos de queda na venda de celulares
  • Ainda assim, modelos mais caros e com bom desempenho asseguram lucros
  • O mercado de celulares amadureceu e hoje traz modelos com vida mais longa
  • Público percebeu isso e está investindo mais para trocar menos

Se os celulares estão cada vez mais caros, comprar smartphones com menos frequência vem se tornando um passo mais lógico do que nunca. E até mesmo as empresas estão incentivando isso. Basta acompanhar os passos recentes da indústria e do comportamento do público.

Fato 1: O mercado de celulares está encolhendo ano a ano. A consultoria IDC levantou que as fabricantes de smartphones venderam mundialmente 375,4 milhões de unidades no quarto trimestre de 2018, sendo o quinto trimestre consecutivo de queda. Foram 430,7 milhões de vendas no quarto trimestre de 2016, por exemplo.

Isso se repete no Brasil: a mesma IDC diz que o mercado brasileiro de celulares em 2018 registrou queda de 6,8%, com 46,9 milhões de celulares vendidos no ano passado.

Fato 2: Apesar de menos celulares estarem sendo vendidos, estamos pagando mais por eles. As fabricantes tiveram 6% mais receita no Brasil em 2018 --totalizando R$ 58,1 bilhões-- porque o valor médio pago em um celular aumentou de R$ 1.149 em 2017 para R$ 1.307 em 2018.

Fato 3: O público amadureceu. Muitos usam o smartphone como seu principal aparelho eletrônico de comunicação e não tem mais paciência com celulares baratos, mas ruins. Por isso, como vimos acima, as pessoas estão juntando mais uma graninha para ter pelo menos um celular intermediário no bolso.

A maioria dos modelos desta faixa custa hoje entre R$ 1.100 e R$ 1.999 e representa 35,6% do mercado brasileiro --uma alta de 73,1% em relação ao ano anterior. Em contraposição, os modelos com preços abaixo de R$ 699 ficaram com 14,1% do setor, com queda de 41,5% em um ano.

Fato 4: Se o investimento do consumidor é maior, e a qualidade do produto também, não faz sentido trocar de aparelho todo ano, ou mesmo a cada dois anos. Claro que pessoas com dinheiro e perfil "early adopter" podem continuar em um ritmo grande de atualização, mas serão exceções.

Fora isso, quem está comprando smartphones top de linha recentes a preços altos --os melhores modelos atuais da Samsung e Apple estão custando pelo menos R$ 4 mil-- faz sentido para muitos de seus compradores que seu celular tenha vida longa para valorizar o investimento.

O preço alto está nos detalhes

O posicionamento das fabricantes com modelos como o Galaxy S10 e o iPhone XS é de oferecer não apenas um excelente celular, mas um produto diferenciado, daqueles que chama a atenção na balada, como se fosse um carro esporte. E circunstâncias econômicas e tecnológicas elitizaram cada vez mais esses produtos.

Um iPhone XS custa hoje R$ 7.299, e um S10, R$ 4.999. Em comparação, o iPhone 3G de 2008 custava a partir de R$ 899, e o Galaxy S2 de 2011, R$ 1.700. Mas a inflação de celular não é mais exclusividade nossa: o iPhone 3G, de 2008, custava US$ 599 nos EUA. O iPhone XS, do ano passado, quase dobrou esse valor: US$ 999.

O aumento de preço chegou nos intermediários também. O melhor exemplo é o Moto G, que foi de R$ 699 em 2014 a R$ 1.899 em 2019 no modelo Moto G7 Plus. Mais que dobrou de preço, verdade. Mas a faixa dos R$ 1.500 aos R$ 2.000 ainda está ao alcance da classe média brasileira.

Os celulares intermediários recebem algumas especificações dos premium com um pequeno atraso, como câmeras duplas e telas com entalhe, mas cumprem bem o serviço para quase todos os usos --navegação na internet, tirar fotos sem compromisso e consumir vídeos e música no ônibus.

Já os caros premium vão além da aparência e vêm se provando produtos de vida longa. Não apenas pela grana investida nele, mas pelo desempenho de hardware veloz, por um sistema operacional que otimiza esse desempenho até em modelos mais antigos, e até por questões ambientais.

iPhone: um investimento duradouro

O iPhone XS tem um processador que roda a até 2,5 GHz, tão rápido quanto muitos notebooks. A Apple alega que o iOS 12 roda apps até duas vezes mais rápido, carrega a câmera até 70% mais rápido na tela de bloqueio e acelera os tempos de exibição do teclado em até 50%. E pela primeira vez, esta versão do iOS agraciou cinco gerações anteriores de iPhones, alcançando até o iPhone 5S.

A Apple curte um marketing ambiental, e como menos iPhones no mundo significam menos lixo, isso é vendido como mais uma vantagem do produto. "Como eles duram mais tempo, você pode continuar usando-os", disse Lisa Jackson, vice-presidente de iniciativas ambientais, políticas e sociais da Apple, na apresentação da linha 2018 dos iPhones em setembro. "E continuar usando-os é a melhor coisa para o planeta."

O mercado concorda: o analista Toni Sacconaghi, da empresa Bernstein, estima que os donos dos celulares da Apple devem mantê-los por pelo menos quatro anos ou mais. E isso está virando realidade: ele diz que 32% dos iPhones em uso atualmente podem ser modelos comprados de segunda mão.

Celulares Android seguem a tendência

Como os aparelhos com Android são personalizados por fabricante, não há esse controle unificado na atualização do sistema operacional que a Apple consegue impor em toda a sua cadeia de produção de iPhones.

Mas é fato que cada versão recente do Android traz truques novos que pouco importam para o usuário médio. Para a maioria das pessoas, ter uma versão velha do sistema não é um grande problema. Geralmente as ocorrências de lentidão em um celular desses referem-se a hardware muito defasado.

Daí o interesse recente do público em comprar um celular com uma ficha técnica minimamente robusta para minimizar a lentidão, como é o caso de intermediários como as linhas Moto G (Motorola) ou Galaxy A (Samsung). Ou um celular premium de anos anteriores, que também seguram o rojão.

Por tudo isso, não fique surpreso se em breve as fabricantes começarem a ampliar o ciclo de celulares novos, deixando de atualizar suas linhas uma vez por ano e passando a trazer modelos novos por biênio, triênio etc. Os notebooks passaram por isso, os tablets também, e um dia poderá chegar a vez dos smartphones.