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SP importa 99% da energia que gasta, e isso diz muito sobre nossas cidades

São Paulo poderia produzir 31% da energia que consome se investisse em energia fotovoltaica e biocombustível - Adobe Stock
São Paulo poderia produzir 31% da energia que consome se investisse em energia fotovoltaica e biocombustível Imagem: Adobe Stock

Colaboração para o UOL

29/05/2019 04h00Atualizada em 29/05/2019 18h34

Resumo da notícia

  • Estudo da USP aponta que 99% da energia de São Paulo é produzida fora da cidade
  • A hiperdependência energética da maior cidade brasileira vai na contramão da tendência mundial
  • Os pesquisadores mostraram que a cidade poderia produzir quase 1/3 da energia que gasta até 2030
  • Para isso, seriam necessárias estratégias como adoção de energia fotovoltaica e uso de dejetos para biocombustível

São Paulo é a terra dos superlativos. Com 12 milhões de habitantes, a maior cidade do país tem mais de 1,5 mil quilômetros quadrados de extensão e um PIB estimado em R$ 650 bilhões --11% da produção total do país, segundo o IBGE.

A chamada "locomotiva do Brasil" é também a maior consumidora de energia, nas suas mais diversas formas (eletricidade, gasolina e diesel). Em 2014, esse consumo correspondia a 20% de tudo o que era produzido no estado e a 6% de todo o país. Os setores que mais demandaram energia foram mobilidade urbana, residencial e de comércio e serviços.

Apesar dos números, a capacidade dessa locomotiva produzir o próprio "combustível" não é nada superlativa. É o que aponta um estudo de pesquisadores do Instituto de Energia e Ambiente da USP, segundo o qual a capital paulista gera apenas 1% de toda a energia que consome. O restante (99%!) é "importado" de outras localidades.

Quem assina o estudo é a gestora de políticas públicas Flavia Mendes de Almeida Collaço, doutoranda no Instituto de Energia e Ambiente (IEE-USP), e o professor Célio Bermann, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Energia da USP.

O levantamento é realizado em um momento em que diversos países têm se dedicado ao desenvolvimento de equipamentos e tecnologias capazes de auxiliar no gerenciamento autônomo de energia.

Na Alemanha, a cidade de Bonn, por exemplo, apresenta exemplos de aproveitamentos energéticos de pequena escala realizados por edifícios públicos, comerciais, de serviços ou residenciais, através de microcentrais hidrelétricas, pequenas turbinas eólicas, sistemas solares fotovoltaicos coletivos e biodigestores.

Estes exemplos, de acordo com os pesquisadores, estão também presentes em cidades de países como a Holanda e Inglaterra, além de Seul, na Coreia do Sul, e algumas localidades da China.

A hiperdependência de energia "importada" na maior cidade do país mostra como o Brasil está na contramão dessa discussão.

Sem autonomia energética, a cidade fica muito vulnerável a apagões fora de seu controle - Chello Fotógrafo/Futura Press/Estadão Conteúdo - Chello Fotógrafo/Futura Press/Estadão Conteúdo
Sem autonomia energética, a cidade fica muito vulnerável a apagões fora de seu controle
Imagem: Chello Fotógrafo/Futura Press/Estadão Conteúdo

E quais as consequências disso?

Segundo os pesquisadores, uma cidade com capacidade de gerar ao menos parcialmente sua própria energia tem maior capacidade de resistir a apagões de energia nacionais ou a falta de outros recursos.

Além disso, apontam eles, uma cidade mais autossuficiente pode assegurar a prestação mínima de serviços essenciais (iluminação pública, manutenção do funcionamento de hospitais, refrigeração para remédios, alimentos, experimentos, estabilidade e garantia da rede da internet) no caso de um colapso nacional da energia.

As características do sistema de energia urbano afetam diretamente os habitantes das cidades, seja na forma de emissão de poluentes e de gases de efeito estufa, seja no tratamento ou não do esgoto coletado na cidade --uma das maiores contas de energia do serviço público é justamente o do saneamento.

No caso de São Paulo, a eletricidade pode ter como origem tanto uma termelétrica no sudeste como uma hidrelétrica no norte ou uma eólica no nordeste. No município, não existem refinarias de petróleo (a mais próxima fica em Mauá) nem manufaturas de combustíveis sólidos ou outras indústrias energéticas.

O lixo orgânico da cidade poderia ser usado na produção de energia - iStock - iStock
O lixo orgânico da cidade poderia ser usado na produção de energia
Imagem: iStock

Como reverter esta dependência?

O estudo indica que seria possível suprir até 31% da demanda de energia da cidade com recursos próprios até 2030. Para isso, seria necessário ampliar a eficiência energética de edifícios e substituir a dependência de combustíveis fósseis por biocombustíveis no setor de mobilidade urbana.

Outra alternativa apontada pelos pesquisadores é incentivar a geração distribuída, com o uso de parte dos telhados dos setores residencial e comercial para geração fotovoltaica, o uso do potencial de biogás na cidade (através dos restos de podas das áreas verdes da cidades), da fração orgânica do lixo residencial, e também dos resíduos provenientes da agricultura e pecuária urbana remanescentes na zona sul e no extremo leste.

Só em lixo, a capital paulista produz hoje 20 mil toneladas diárias, a maior parte tem sua origem no descarte domiciliar.

Essas mudanças aconteceriam por meio de adaptações e da implementação de muitas das políticas e normas já existentes, como a lei federal de Resíduos Sólidos Urbanos e a Política Municipal de Mudanças Climáticas da cidade.

Um dos problemas apontados pelos autores, porém, é que, no Brasil, o planejamento energético é separado do planejamento urbano. A falta de capacitação técnica, de capital humano e de recursos financeiros é considerada outro entrave para estas mudanças.

Além disso, afirmam os especialistas, as empresas responsáveis pela geração e distribuição de energia não têm interesse em fomentar a transição para uma cidade com maior autonomia de geração de forma local.

Eles apontam, porém, que o momento escolhido para o desenvolvimento de pesquisa e tecnologia na área é crucial para determinar o papel do país frente ao resto do mundo em termos de liderança e de definição de agenda global.

Ainda não estamos nem perto disso.

Errata: este conteúdo foi atualizado
A produção diária de lixo de São Paulo é de 20 mil toneladas, não 20.
O PIB da cidade de São Paulo é estimado em R$ 650 bilhões, e não R$ 650 milhões.