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Brasileiros criam kit que detecta doenças com rapidez e de forma barata

Kit contém leitor ótico feito de alumínio e solução com nanobastões de ouro - Divulgação/UFMG
Kit contém leitor ótico feito de alumínio e solução com nanobastões de ouro Imagem: Divulgação/UFMG

Daniel Leite

Colaboração para o UOL, em Juiz de Fora (MG)

03/07/2019 04h00Atualizada em 03/07/2019 14h36

Resumo da notícia

  • Pesquisadores da UFMG desenvolveram um projeto que usa nanotecnologia em doenças
  • Kit é composto por um leitor ótico feito de alumínio, uma placa e uma solução com nanobastões de ouro
  • Uma da vantagens é ter mais precisão e rapidez nos resultados médicos
  • Por enquanto, a fabricação dos kits será direcionada para a identificação de leucemia em gatos

O barateamento da medicina é uma meta importante para democratizar seu acesso. Um kit desenvolvido por pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) será útil nesse sentido, pois pode diagnosticar doenças de forma mais rápida e barata, e com maior precisão, com nanotecnologia.

O projeto começou em julho de 2017 e o protótipo foi finalizado em junho passado. Com o kit, exames podem ser feitos no local onde o profissional atua, como consultórios médicos, clínicas veterinárias, fazendas, que são os chamados Testes de Point of Care, uma tendência cada vez mais forte na área da saúde.

O kit é composto por um leitor ótico feito de alumínio, do tamanho aproximado de um porta guardanapo de restaurante; uma placa para depositar o material a ser analisado, que pode ser sangue, urina, saliva ou, em casos mais raros, lágrima; e uma solução com nanobastões de ouro.

Os cientistas garantem que o método também é mais prático por ser portátil, dispensando a estrutura de um laboratório para a análise de resultados, o que costuma encarecer o processo.

Em funcionamento

Nanobastões de ouro são estruturas cilíndricas, com medidas entre 50 e 100 nanômetros. Como referência do quanto é extremamente pequeno, cada nanômetro mede um bilionésimo de metro, ou seja, um metro dividido por um bilhão. Eles são feitos de ouro para que fiquem visíveis e facilmente detectáveis pelo leitor ótico quando inseridos em uma solução com moléculas de doença.

Para atuar na identificação de doenças, o nanobastão precisa virar um biossensor. Isso é feito ligando a ele uma molécula (vírus, bactérias ou anticorpos) que seja capaz de reconhecer e se conectar a outra molécula utilizada em diagnóstico, como a que está presente em soro, urina, saliva ou lágrima. Isso quer dizer que o kit é preparado para o diagnóstico de cada doença. Basta utilizar a molécula específica.

Para exemplificar o funcionamento, imaginemos o exame para saber se uma pessoa está ou não infectada pelo HIV, o vírus da Aids, presente no sangue.

Extrai-se uma gota do soro do sangue do paciente com suspeita e o aplica à solução que contém o nanobastão de ouro ligado a um anticorpo para o vírus HIV.

Em seguida, essa mistura é colocada no leitor ótico desenvolvido na UFMG, que vai avaliar o comportamento do nanobastão de ouro e dar o diagnóstico.

Se a molécula do soro da pessoa suspeita se conectar ao anticorpo para o HIV ligado ao nanobastão, é sinal que há a presença do vírus no sangue do paciente.

Essa conexão entre as moléculas fará o nanobastão ganhar massa, e é isso que o leitor ótico detecta e informa em questão de segundos.

Mais preciso e menos dependente de laboratórios

Só o fato de não precisar de um laboratório de análise, onde os resultados costumam demorar dias, já reduz drasticamente o tempo para o diagnóstico, que sai em alguns segundos utilizando o kit desenvolvido na UFMG. O teste de Elisa, por exemplo --o mais conhecido e utilizado atualmente-- leva entre um e dois dias para definir o diagnóstico. Ele até realiza testes mais rápidos, que concluem em 90 minutos, mas com pouca acurácia e que precisam ser confirmados por outros testes, como PCR e Western Blot.

E mesmo comparado aos testes rápidos, como os de dengue, a vantagem do kit dos pesquisadores mineiros é ter mais precisão no resultado, pois detecta a ligação molecular, o tamanho da molécula, a rapidez e os fatores que a influenciaram.

"Isso nos dá uma certeza da identificação positiva maior, é o que a gente chama de mais acurácia. O resultado é mais confiável em relação aos métodos atuais de exames", garante o professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Ary Corrêa, um dos coordenadores do desenvolvimento do novo dispositivo.

Custará um terço do preço atual

Inicialmente, a fabricação dos kits será direcionada para profissionais e laboratórios que fazem a identificação de leucemia em gatos. Este é um dos piores problemas de saúde desses felinos, podendo levar ao câncer, como o linfoma, e causando perda de peso e apetite, vômitos e diarreia.

Mas além da preocupação com a saúde dos gatos, a escolha se deu também por uma questão estratégica. Afinal, cada teste rápido em felinos custa cerca de R$ 120 para o dono. Por causa desse alto valor agregado, não será necessária a fabricação de uma quantidade muito grande de dispositivos para capitalizar o projeto e custear a confecção de mais kits.

O desafio agora é produzir em larga escala para baratear o processo. Quando conseguirem aumentar a produção, os próprios exames em gatos feitos com a nanotecnologia deverão custar em torno de R$ 40, ou seja, um terço do preço atual.

A partir do momento em que conseguirem produção em larga escala, os pesquisadores vão focar nos kits para diagnósticos de doenças em humanos.

Nesse caso, como muitos dos exames são feitos gratuitamente pelo SUS, o custo final reduzido será para o governo adquirir o dispositivo.

No caso do teste de Westernblot, por exemplo, que detecta infecções virais e bacterianas, o poder público paga R$ 85 por exame. Pelo sistema desenvolvido pela UFMG, o custo seria de R$ 30. "A grande vantagem é que, como a gente está na escala nano, a quantidade de biológicos que a gente usa é muito pequena em relação aos testes existentes, e a maior parte do custo é o material biológico que está acoplado ao sistema. Então a gente vai ter ao longo do tempo uma economia de insumos muito grande", diz Corrêa.

Para os exames em humanos, a prioridade será, inicialmente, a detecção de males do sistema imunológico, como HIV, Doença de Chagas e alergias.

Tentando encurtar o tempo de espera para aumentar a produção e reduzir o custo final, os pesquisadores da universidade buscam parceiros para financiar o projeto.

Notificação ao governo será mais rápida

O equipamento é comandado remotamente por um aplicativo de celular Android, que deverá ser estendido para outros sistemas operacionais.

Assim, os resultados ficam armazenados em rede e podem ser enviados imediatamente ao sistema público de saúde, como manda a lei no caso de doenças que estejam na Lista Nacional de Notificação Compulsória, do governo federal, como raiva, sífilis, hepatite, febre maculosa, tuberculose, Zika, Aids e outras 40 que aparecem no rol.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado no intertítulo e no texto desta reportagem, o preço final dos kits deverá cair para um terço do preço atual, e não três vezes mais barato, como foi escrito anteriormente. A informação foi corrigida.
A presença do vírus HIV no corpo de uma pessoa não significa resultado positivo para a doença, como estava escrito no texto.