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BC cadencia calendário do open banking no Brasil, de olho no exterior

05/06/2019 10h41

Por Aluisio Alves

SÃO PAULO (Reuters) - Ápice da campanha do Banco Central para forçar redução de juros e tarifas do sistema financeiro do país, o open banking terá um cronograma menos ambicioso do que o desejado pelo regulador, que tem preferido o pragmatismo para evitar reproduzir erros que atrasaram a implementação do modelo em outros países.

Arquitetura que dá aos usuários finais o poder de acesso e manipulação de seus dados bancários, o open banking deveria ter começado no Brasil no fim de 2018. Mas a regulação entrará em consulta pública no segundo semestre deste ano e a expectativa de que a primeira fase do sistema entre em vigor na segunda metade de 2020, envolvendo inicialmente os 12 maiores bancos. Executivos do setor avaliam que uma implantação mais robusta do open banking só acontecerá daqui a três anos. No mínimo.

O BC ainda não definiu o escopo e a duração das etapas seguintes. Guarda essa carta na manga, podendo acelerar a implementação se entender que os bancos estão intencionalmente protelando o processo.

"A decisão de esperar um pouco foi boa porque nos permitiu tirar alguns aprendizados do que está acontecendo fora", disse à Reuters o chefe do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central João André Pereira.

A escolha pelo ritmo mais cadenciado refletiu em parte a experiência britânica, onde o sistema começou oficialmente em 2018, mas ainda não deslanchou. Lá, o regulador deixou para o mercado definir alguns protocolos, os bancos não se entenderam sobre outros e ajustes estão sendo feitos.

Uma das questões em discussão aqui é sobre quais interfaces digitais serão usadas para compartilhar dados, as chamadas API. A API é uma espécie de portal que só é acessível a quem o dono do dado permite. Quem o faz pode ofertar uma ampla gama de serviços, desde crédito a seguros e investimentos. Mais adiante será possível realizar transferências ou pagamentos sem a necessidade de acessar o site ou aplicativo do banco em que o usuários tenha conta corrente.

Fazer essa engrenagem funcionar é para os reguladores um passo vital para dar continuidade à agenda de ampliação da concorrência, que nos últimos anos pavimentou o surgimento de milhares de fintechs.

Mas os grandes bancos têm alegando questões como segurança, interoperabilidade dos sistemas tecnológicos e questões legais para eventuais casos de vazamento de dados de clientes, e pedido mais prazo para se prepararem.

"É um projeto de alta complexidade, que exige vários cuidados com segurança da informação, um arcabouço regulatório para definir a responsabilidade em casos de mau uso dos dados", disse o diretor de Negócios e Operações da Febraban, Leandro Vilain. "E o próprio processo de padronização traz um custo ao sistema, que precisa ficar claro quem vai custear."

Não que open banking seja um assunto de todo proibido entre os grandes bancos. Alguns deles já têm parcerias com algumas fintechs para serviços específicos, mas num ambiente controlado.

"O problema é que os bancos querem fazer prevalecer os seus próprios sistemas tecnológicos quando se trata de adotar um padrão para o mercado", diz Marco Bravo, vice-presidente América Latina da ACI, provedora global de tecnologia para pagamentos.

Embora elogiem a pressão do BC sobre os bancos para apressar o passo, representantes das fintechs defendem uma agenda mais ousada já que o cronograma proposto deixa de fora fintechs menores e aquelas cujo modelo de negócio não é regulado.

"Nós queremos convencer o BC a acelerar agenda do open banking", disse Benjamin Gleason, sócio fundador do aplicativo para gestão financeira GuiaBolso, cujo eixo do negócio é justamente ter acesso às contas bancárias das pessoas.

Reservadamente, representantes de fintechs desconfiam que os bancos estejam usando o argumento de risco sistêmico para tentar atrasar o funcionamento do open banking, e assim postergar um cenário de maior concorrência. A Febraban nega.

"É um projeto de alta complexidade; só as fases do projeto de implementação apresentadas pelo BC dão trabalho suficiente para uns cinco anos", diz Vilain.

O regulador, cuja "Agenda BC+" abriu caminho para o surgimento de centenas de fintechs, queria uma implementação mais ousada do open banking para tentar reduzir a concentração bancária, com os cinco maiores bancos detendo 85% dos ativos do sistema.

Mas, a exemplo do caso britânico, percebeu que não pode simplesmente pressionar os bancos sem apontar os caminhos por meio dos quais garanta o cumprimento da regulação e consiga atrair os bancos, em vez de confrontá-los abertamente.

Para Ricardo Taveira, sócio da fintech Quanto, que desenvolve plataforma de open banking, o BC quer evitar cair no mesmo erro que o Reino Unido, que no afã de acelerar o processo, acabou ficando refém dos bancos.

"Eu achava que o BC deveria ir mais rápido, mas na verdade está é tentando garantir que a competição aqui funcione para valer", disse o presidente da Quanto.

Então, o regulador optou por dar um algum tempo para os bancos se prepararem, inclusive para permitir que eles escolham padrões de API ou ele mesmo escolha.

"A gente não pode querer definir qual tecnologia o mercado vai usar, mas se tiver que arbitrar, nós vamos fazer", disse Pereira, do BC.

Enquanto isso, a autoridade monetária tem na manga a opção de facilitar a entrada mais rápida de entidades ainda não reguladas. Para isso, avalia adotar o chamado "sandbox", uma regulação simplificada para entidades menores e que torna-se mais rígida à medida que elas crescem e se tornam mais relevantes para o sistema.

Para analistas, seja adotado mais ou menos rápido, o open banking não mudará tão cedo a realidade atual, com os grandes bancos do país mantendo-se majoritários e mantendo elevados níveis de rentabilidade. Questões como a inércia do cliente, a falta de familiaridade com o sistema bancário aberto e um número ainda limitado de aplicações reais se mostram como barreiras para um impacto mais significativo sobre os bancos.

"Mas acreditamos que uma mudança pode ocorrer a médio prazo, uma vez que o novo marco regulatório facilita a mobilidade bancária e que as novas gerações estão mais abertas a essa mudança", afirmou a agência de classificação de risco S&P.