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Na Rússia, vítimas da radiação de Chernobyl foram 'abandonadas' pelo Estado

25/04/2016 18h12

Starye Bobovitchi, Russie, 25 Abr 2016 (AFP) - "Fomos abandonados. Não há mais médicos nem hospitais. E logo não haverá mais medicamentos". Aos 70 anos, Anna Vendarenko se preocupa com os cortes orçamentários do Estado russo nas ajudas às vítimas das radiações de Chernobyl, 30 anos depois do acidente.

O povoado onde mora Anna, Starye Bobovichi, que seus habitantes se negaram a abandonar, era até agora considerado "zona proibida", mas viu seu nível de radioatividade reduzir após um decreto presidencial.

Com a mudança, a ajuda financeira do Estado, que consiste em subvenções para gastos médicos, estadia em sanatórios para crianças e programas sócio-econômicos, diminuirá drasticamente.

Especialistas afirmam, no entanto, que houve apenas uma leve redução no nível de radioatividade no local desde a explosão da central nuclear de Chernobyl, no dia 26 de abril de 1986.

Alexei Kiselev e Rachid Alimov, especialistas em radioatividade de ONG Greenpeace, usam um aparelho para medir o nível de partículas radioativas na praça principal da cidade.

"1,7 microsieverts por hora... é mais de 30 vezes a dose máxima recomendada", alerta Rachid. "É melhor não demorarmos. E pensar que há pessoas que vivem aqui...", lamenta Alexei.

Das 4.413 localidades russas afetadas pelo acidente de Chernobyl, 383 verão suas subvenções diminuírem por cortes orçamentários, como o povoado de Starye Bobovitchi. Outras 558 cidades serão simplesmente retiradas da lista.

"Com este decreto, o Estado se nega a reconhecer que são necessários 2.000 anos, e não 30, para descontaminar uma zona", denuncia Anton Korsakov, biólogo e especialista nas consequências de Chernobyl para a região de Briansk.

"Mesmo que consigamos descontaminá-la, terão que se passar várias gerações até que as crianças voltem a nascer saudáveis", afirma, lembrando que o índice de mortalidade infantil na região é cinco vezes maior que a média nacional.

Quando as crianças sobrevivem, 80% delas desenvolvem uma ou várias doenças crônicas, de acordo com estatísticas oficiais, citadas pelo especialista.

Ir embora da regiãoEm Novozybkov, cidade a 180 km de Chernobyl cujos 30.000 habitantes nunca chegaram a ser retirados como era previsto, os corredores do hospital estão cheios de crianças e idosos que esperam durante várias horas.

O cirurgião Viktor Janaiev estima que um terço dos seus pacientes vem ao hospital por doenças causadas ou pioradas pela radiações.

"Muitos não podem se cuidar, visto que os medicamentos subvencionados não são os mais eficazes", e seriam necessários outros remédios, mais caros, explica. O salário mínimo russo é de 6.204 rublos (81 euros).

A partir de julho, Novozybkov passará de "zona a ser evacuada" para "zona habitável", e as ajudas econômicas serão reduzidas.

"É uma má notícia", lamenta Janaiev. "As pessoas terão que pagar pelos seus medicamentos, que até agora eram gratuitos. E as crianças não poderão ir ao sanatório no verão", afirma, lembrando que sair da cidade na estação mais quente do ano, quando as radiações são mais fortes, é uma necessidade.

Aleksander, seu paciente, confirma a observação: "Tenho a saúde boa? Depende. Quando estou em outra região, estou ótimo. Aqui, noto as radiações todos os dias", conta. Esse homem de 30 anos, pai de uma menina, gostaria de "ir embora da região". "Mas com que dinheiro? Ninguém nos ajuda", diz com tristeza.

Viver com as radiaçõesViver em uma zona contaminada pelas radiações de Chernobyl tem consequências na saúde; porém, é possível limitá-las sempre e quando "se esteja informado", afirma Liudmila Komorgotseva, da ONG russa União pela Segurança Radioativa.

"Mas o governo não faz nada e as pessoas colhem frutas e cogumelos no bosque contaminado", alerta.

Em 2011, os controles de radioatividade de grande parte dos alimentos e líquidos russos foram suprimidos, e hoje se pode comprar muitos produtos radioativos da região de Briansk nos mercados de todo o país, segundo o Greenpeace.

Nas casas, há inclusive móveis radioativos: as empresas utilizam madeira das florestas russas situadas em "zona proibida", garante o advogado Aleksander Govorovski, que interpôs uma demanda ao departamento florestal da região.