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Reino Unido e União Europeia, um casamento destinado ao fracasso

24/06/2016 10h53

Londres, 24 Jun 2016 (AFP) - A vitória do Brexit no referendo do Reino Unido sobre a União Europeia encerra um capítulo de décadas de desconfiança e até mesmo hostilidade.

A relação conflituosa dos vários governos britânicos com o projeto que surgiu das cinzas da Segunda Guerra Mundial está ligada à história da ilha e ao seu sentimento de independência.

Alguns britânicos recordam com orgulho que a última vez que foram invadidos foi em 1066.

A resistência aos nazistas durante a guerra também marcou a identidade do país, especialmente entre os eleitores mais velhos.

"O Reino Unido nunca assumiu realmente o projeto europeu, porque tem uma história muito diferente ao longo do século XX, e menos medo das consequências de uma ruptura", explica à AFP Robert Tombs, professor de história da Universidade de Cambridge.

Vários políticos britânicos protagonizaram uma política de dupla face com a UE, o que não ajudou a facilitar o relacionamento.

"Uma cara é hostil, cética e muito britânica, e é essa que ajudou a alimentar o euroceticismo no Reino Unido", afirma Tim Oliver da London School of Economics.

"A outra face, a vista em Bruxelas, é construtiva, comprometida, e ajudou a configurar a UE de muitas maneiras".

A adesão, uma decisão pragmáticaSeguindo sua tradição imperial, o Reino Unido preferiu ficar de fora da integração europeia após a Segunda Guerra Mundial. Seus líderes pensavam que suas posses ultramarinas eram mais importantes.

Mas, com o desaparecimento do seu império e a prosperidade do comércio no continente, Londres acabou por se render e pedir a entrada na Comunidade Econômica Europeia (CEE) em 1961, quatro anos após a sua criação.

O presidente francês Charles de Gaulle vetou duas vezes esta adesão, mas o Reino Unido acabou por entrar no bloco em 1973.

O primeiro-ministro trabalhista Harold Wilson convocou um referendo sobre a adesão em 1975, para tentar apaziguar os eurocéticos e protecionistas de seu partido. No final, obteve 67% dos votos na consulta.

A líder conservadora Margaret Thatcher era uma fã declarada da CEE, um bloco comercial sem tarifas.

Mas quando tomou posse como primeira-ministra em 1979 passou a ser conhecida e até mesmo detestada por sua insistência para que o bloco devolvesse parte da contribuição britânica à União, o que conseguiu em 1984.

Também se opôs fortemente a crescente integração política, temendo a criação de um "super-Estado europeu".

Seu famoso "Não! Não! Não!" durante um discurso na Câmara dos Comuns foi o prelúdio à sua queda em 1990.

Evidenciou, também, as claras fraturas dentro do Partido Conservador sobre a União Europeia. Estas divisões foram levadas adiante pelo governo do primeiro-ministro John Major (1990-1997).

Em 1992, a crise monetária tirou a libra esterlina do mecanismo de câmbio europeu, que ligava as várias moedas europeias ao marco alemão.

Uma rebelião conservadora entre 1992 e 1993 esteve prestes a acabar com o governo Major, em razão do tratado de Masstricht, que transformou a CEE na União Europeia.

As frustrações da adesãoEm 1997, o novo primeiro-ministro trabalhista, Tony Blair, chegou ao poder com a ideia de que o seu país se juntaria ao euro, mas a oposição interna foi enorme.

A memória do fracasso do sistema de câmbio europeu era muito presente.

A partir dessa decisão, relação política com o bloco, marcada pela aventura de uma moeda única, começou a complicar-se consideravelmente.

O Reino Unido também optou por permanecer fora do espaço Schengen de livre circulação.

Ante a oposição interna, o primeiro-ministro conservador David Cameron prometeu um referendo em 2013 para resolver de uma vez por todas os problemas.

Cameron fez campanha pela permanência na UE, dizendo se tratar de um casamento de conveniência. Mas os seus concidadãos preferiram se divorciar, seja qual for o preço.

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