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Oposição venezuelana exige que poder eleitoral ative referendo contra Maduro

26/07/2016 22h25

Caracas, 27 Jul 2016 (AFP) - A oposição venezuelana convocou o poder eleitoral, nesta terça-feira, para fixar uma data para a coleta das assinaturas que permitirão convocar um referendo revogatório contra o presidente Nicolás Maduro, que enfrenta a insatisfação da população, devido à aguda crise econômica no país.

Em uma medida de última hora, o governo venezuelano pediu nesta terça que a autoridade eleitoral torne ilegal a MUD, acusando-a de fraude na coleta de assinaturas para o referendo revogatório.

"Viemos solicitar o cancelamento da inscrição do chamado partido político Mesa da Unidade Democrática (MUD) por estar envolvido na maior fraude eleitoral vista na história do país", disse a jornalistas o alto dirigente chavista Jorge Rodríguez, destacado por Maduro para monitorar o processo do referendo revogatório.

A oposição esperava que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) confirmasse ainda hoje que se obteve as 200.000 rubricas para ativar o referendo, abrindo caminho para a segunda etapa: a coleta das quatro milhões de assinaturas necessárias para, finalmente, convocar a consulta.

Mas o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) informou que analisará apenas na próxima segunda-feira o relatório técnico sobre "a revisão do processo de validação" das assinaturas, sem precisar se emitirá uma decisão sobre a ativação da consulta no mesmo dia.

"O que o país espera é o anúncio de quando se vai coletar os 20% (quatro milhões) para dar início ao referendo", disse antes da decisão do CNE o porta-voz da MUD, Jesús Torrealba, ao pedir que o Conselho não obstrua "as saídas eleitorais" para a crise.

Em uma enérgica resposta à oposição, o número dois do chavismo, o deputado Diosdado Cabello, reiterou na tarde desta terça-feira: "Não há maneira de haver revogatório, não há".

"Em 2016 não haverá revogatório, não haverá; em 2017, no passo em que vamos, tampouco terá revogatório na Venezuela", advertiu Cabello, diante de milhares de seguidores, em um ato público na cidade de Valera (oeste).

Para que a consulta aconteça este ano, a oposição deve conseguir que o CNE estabeleça para breve a data de início de coleta de assinaturas. Nesta quarta, como medida de pressão, o movimento fará uma manifestação diante da sede do organismo em Caracas e em todo o país.

Nessa segunda fase, a coalizão opositora MUD terá três dias para recolher as assinaturas. Depois disso, o CNE terá 15 dias úteis para contabilizá-las e mais três meses para organizar a consulta.

"Estamos conscientes de que é um processo complexo e duro de luta", manifestou Torrealba, ao relatar a conformação de um "comando de campanha unido".

Em uma longa fila para comprar comida, Édgar García, um técnico em eletrônica de 48 anos, disse estar pronto para assinar."É uma oportunidade e tenho de aproveitá-la", assegura, advertindo que Maduro "fará tudo o que puder para impedi-lo", pois "sabe que sairá muito mal dessa situação (derrotado)".

A MUD, que acusa o CNE de servir ao chavismo, quer que o referendo seja realizado antes de 10 de janeiro de 2017. Neste caso, se Maduro perder, haverá eleições. Se for realizado depois dessa data, o mandato que termina em 10 de janeiro de 2019 será completado pelo vice-presidente.

O chavismo assegura que a MUD iniciou os trâmites muito tarde e ainda deve enfrentar um processo por fraude na coleta das assinaturas e mais de 8.000 recursos interpostos na Justiça e no Ministério Público, acusados pela oposição de serem aliados do governo.

Risco de conflito socialPara revogar Maduro é necessário mais do que os 7,5 milhões de votos, com os quais ele foi eleito em 2013.

Segundo a empresa Venebarómetro, 73,4% dos venezuelanos reprovam sua gestão, e 64% dos eleitores votariam para tirá-lo do poder.

"É um processo longo e complexo, mas creio que o referendo não tenha como ser interrompido, porque é um sentimento nacional", declarou à AFP a psicóloga social Mercedes Pulido.

O constitucionalista José Ignacio Hernández assegurou que as brechas legais indicam que a consulta ocorrerá no mais tardar em janeiro, e advertiu que "atrasar o processo arbitrariamente aumentará o conflito social".

Nos últimos meses, houve protestos quase diariamente por falta de alimento. As pessoas estão agoniadas com a insegurança, com a escassez de alimento e de remédios, e com a inflação mais alta do mundo: 180,9% em 2015, e 720% para 2016, de acordo com projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI).

O presidente sustenta que a crise se deve à queda do preço do petróleo e a uma "guerra econômica" da direita para derrubá-lo.

Elizabeth, zeladora de 50 anos de um edifício em Caracas, é cética. "Para que serve isso? Até que faça o referendo, até que chegue o que tem que chegar, vai demorar muito para recompor este país", desabafou.

O diálogo é a saída?Para Pulido, a saída para o "descontentamento e para o caos da negociação", ainda que seja incerto, é um diálogo.

Uma comissão de ex-presidentes promove, no âmbito da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), conversas entre governo e oposição.

Na semana passada, foi dado um primeiro passo quando o oficialismo aceitou - como era pedido pela MUD - que o Vaticano participasse da mediação, mesmo que o núncio apostólico na Venezuela, Aldo Giordano, tenha declarado hoje que "até agora não temos um convite formal".

O referendo continua sendo a pedra no sapato para uma aproximação.

"O povo vai voltar a dar uma surra. Isso é o que o governo sabe, por isso, tentam atrasar o referendo com a convocação ao diálogo", afirmou o líder opositor Henrique Caprilles.

A oposição diz que, sem avanços no referendo, não se sentará para negociar. Já o governo afirma que, se o tema for colocado sobre a mesa, será para abordar a "fraude".

"Não aceitaremos chantagem, se vocês dizem que não haverá diálogo sem revogatório, não haverá diálogo porque aqui não haverá revogatório", sentenciou Cabello.