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O ódio, o medo e o racismo contra imigrantes da era Trump

27/04/2017 15h55

Miami, 27 Abr 2017 (AFP) - Desde que Donald Trump chegou à Casa Branca, Elena deixou de passear com sua família. Os insultos que recebe por parte dos seguidores do presidente dão muito medo a ela e agora a nicaraguense só sai de casa para trabalhar.

Em 8 de novembro, quando Trump venceu Hillary Clinton nas eleições presidenciais, a vida desta moradora de Miami - que pede para ser chamada de "Elena" - mudou radicalmente.

"Desde que este homem ganhou, me mantenho discreta porque agora tenho medo de que me machuquem", conta a mulher de 39 anos, mãe de uma menina americana de 11 anos e de uma jovem sem documentos de 22 anos.

Neste mesmo dia, a insultaram nas ruas de Little Havana. "Volte para seu país, índia de merda", gritou em espanhol um grupo de cubanos-americanos, uma comunidade em sua maioria apoiadora de Trump e cujo apoio se atribui em parte à vitória do magnata imobiliário.

Desde então, nas ruas e nas redes sociais, esta situação se repetiu.

"Antes saíamos muito em família, para comer ou passear, mas isso acabou. Mais pela minha filha. Ela fica com muito medo", diz Elena.

Trump prometeu deportar milhões de pessoas e tenta proibir a entrada de cidadãos de alguns países de maioria muçulmana, além de querer retirar os fundos federais das "cidades-santuário" que protegem seus habitantes em situação ilegal.

Para analistas e ativistas, o fenômeno é transparente: estas medidas do presidente foram traduzidas em um aumento de casos de ódio em questão de semanas.

Agora o vandalismo contra as mesquitas é frequente e, entre os hispânicos, as consequências são vistas sobretudo nas escolas, onde as crianças são perseguidas por sua origem.

- Um racismo profundo -De acordo com o Southern Policy Law Center (SPLC), de 9 de novembro a 31 de março houve 1.863 incidentes de discriminação no país. Deles, 387 foram contra os imigrantes, 43% contra latinos.

Segundo esta organização que vigia os grupos de ódio, tais cifras apenas se comparam ao ambiente de racismo que imperou depois dos atentados de 11 de setembro de 2001.

Por exemplo, o garçom de um restaurante na Califórnia exigiu a uma cliente uma "prova de residência" antes de atendê-la. No estado de Washington, uma mexicana foi ameaçada com uma faca por um homem que exigia que ela voltasse ao seu país. E uma argentina em situação ilegal em Nova York recebeu milhares de mensagens de ódio após colocar no Facebook sua declaração de imposto de renda.

"A retórica de ódio e de ataque a certas comunidades [por parte de Trump] autorizou outros indivíduos a reagir da mesma maneira", disse à AFP Janet Hernández, da ONG de defesa dos imigrantes Conselho Nacional de Raça (NCLR).

Para Eduardo Gamarra, professor de Ciências Políticas da Universidade Internacional da Flórida, a correção política dos americanos "é uma superfície muito fina que data de pouco mais de 40 anos" da época de luta pelos direitos civis.

"Debaixo dessa capa, continuamos sendo um país com um racismo muito profundo", comenta à AFP. "Tudo o que foi feito por Trump foi trazer à tona esse racismo que existe em alguns setores", afirmou.

- Pânico na comunidade -Por enquanto as cifras não diferem muito das do governo anterior. Em março de 2016 houve 20.000 deportações, contra 18.000 no mesmo mês deste ano, de acordo com os números do Serviço de Imigração e Controle Alfandegário (ICE, em inglês).

Barack Obama continua sendo o presidente no qual a administração mais realizou deportações.

Aumentou, não obstante, a população nos centros de detenção onde os imigrantes aguardam a resolução de seus casos: em 2016 havia mais de 34.000 detidos em todo o país, enquanto em fevereiro deste ano o ICE mantinha uma média diária de mais de 41.000 imigrantes em situação ilegal.

Mas, apesar disso, não ocorreram deportações em massa e Trump prometeu respeitar os jovens em situação ilegal - apelidados "dreamers" - que estão protegidos contra a deportação. Casos como o de Juan Manuel Montes desatam pânico na comunidade.

Montes, deportado em fevereiro da Califórnia, é visto pelos ativistas como o primeiro "dreamer" a ser expulso, embora as autoridades assegurem que havia perdido sua proteção migratória ao descumprir a lei antes de sua prisão.

"Ainda não temos os números", disse Hernández, "mas é um fato que existe um ambiente de medo e de ódio no qual nossas comunidades latinas e imigrantes, e as minorias religiosas, estão sendo atacadas", advertiu.