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Governo venezuelano pressiona procuradora em meio à denúncia de golpe

29/06/2017 00h34

Caracas, 29 Jun 2017 (AFP) - O governo venezuelano conseguiu que a Justiça ordenasse a convocação da procuradora-geral, Luisa Ortega, para depor na próxima quarta-feira, em meio a denúncias de uma tentativa de golpe de Estado contra el presidente Nicolás Maduro.

O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), acusado de servir ao governo, fixou a audiência oral e pública para 4 de julho às 14H00 GMT, além de ter proibido a saída da procuradora do país e congelado suas contas e bens, segundo um comunicado oficial.

Também deverão comparecer o defensor público, Tarek William Sabb, chavista, e o deputado da situação Pedro Carreño, que apresentou a ação contra a procuradora e pediu aos magistrados que avaliassem sua saúde "mental".

Carreño garante que a procuradora "mentiu" ao assegurar que não tinha aprovado a seleção de 33 magistrados, que segundo ela foram designados irregularmente pelo Parlamento anterior, de maioria chavista, em dezembro 2015.

A decisão judicial acontece em um contexto de recrudescimento da crise política pelos protestos opositores vividos no país há três meses, que já deixaram 79 mortos.

Luisa Ortega disse nesta quarta-feira que o governo Maduro impôs um "terrorismo de Estado" por meio do TSJ e dos militares.

"Aqui parece que todo o país é terrorista [...]. E eu acredito que temos um terrorismo de Estado, onde se perdeu o direito de se manifestar, onde as manifestações são reprimidas cruelmente, onde julgam civis na Justiça militar", afirmou Ortega.

O governo afirma que o TSJ foi atacado na terça-feira com quatro granadas lançada de um helicóptero pilotado por um policial e ator, identificado como Óscar Pérez, um caso estranho que gera dúvidas entre opositores e analistas.

O helicóptero da Polícia Forense CICPC foi encontrado nesta quarta-feira no povoado de Osma, próximo a Caracas, informou o vice-presidente, Tareck El Aissami.

- "Escalada golpista" -Maduro disse ter ativado "toda a Força Armada para defender a tranquilidade" e capturar Pérez, um inspetor aeronáutico do CICPC de paradeiro desconhecido.

Entretanto, na cidade não havia nesta quarta-feira uma presença incomum de militares. "Esse psicopata não merece", justificou o chanceler.

Na terça-feira, circularam vídeos nas redes sociais que mostravam o helicóptero sobrevoando edifícios de Caracas. Ao longe podem ser ouvidas explosões.

Também foram divulgadas fotos do helicóptero com uma faixa que dizia "350 Liberdade", uma referência ao artigo constitucional invocado pela oposição para uma desobediência civil ao governo de Maduro.

Pérez também divulgou vídeos nos quais afirma ser parte de uma "coalizão entre funcionários militares, policiais e civis (...) contra este governo (...) criminoso" e exige a renúncia de Maduro e a convocação de eleições gerais.

As eleições são a principal exigência dos protestos, que nesta quarta-feira continuaram com novos bloqueios de vias para forçar Maduro a desistir de sua convocação de uma Assembleia Constituinte.

Maduro sustenta que o episódio acontece em uma "escalada golpista" de "fatores extremistas" da oposição e afirmou que irá "ao combate" se a revolução for derrotada. "O que não conseguirmos com votos, tomaremos com as armas".

O TSJ, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e a Defensoria Pública, condenaram o "atentado terrorista".

A titular CNE, Tibisay Lucena, garantiu a eleição da Constituinte em 30 de julho, diante das "ameaças" da oposição de impedi-la.

Eleições gerais são a principal exigência dos protestos contra Maduro, que nesta quarta-feira prosseguiram com novos bloqueios de vias. Durante a noite ocorreram confrontos em bairros populares do oeste de Caracas.

A procuradoria-geral confirmou que nesta quarta-feira morreram o jovem Isael Macadán, 18 anos, baleado em uma manifestação em Barcelona, estado de Anzoátegui, e Luigin Paz, 20 anos, atropelado em um protesto em Maracaibo, estado de Zulia.

- Trama governista? -Diante da denúncia de Maduro, a UE pediu para acabarem "urgentemente" com a violência, enquanto o Brasil, crítico do governo venezuelano, condenou igualmente o ataque e o "cerco de grupos paramilitares", na terça-feira, contra o Parlamento.

Maduro vincula o complô a seu ex-ministro do Interior e general reformado Miguel Rodríguez Torres, que segundo o presidente teve Óscar Pérez como piloto. Ambos são acusados de estar a serviço da Agência Central de Inteligência americana (CIA).

"Militares reformados não dão golpes", se defendeu Rodríguez Torres.

A coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) disse que examinará a denúncia do helicóptero, sem descartar que tudo não passe de uma trama do governo.

"Seja o que for, é gravíssimo (...), a situação é insustentável", disse à imprensa Julio Borges, presidente do Legislativo.

A especialista em temas de Defesa Rocío San Miguel descartou que na Venezuela "esteja ocorrendo um levantamento militar".

"É possível que o evento do helicóptero seja organizado pelo governo, para distrair a atenção (...) ou provocar uma reação das fileiras médias para continuar expurgando forças de segurança", comentou à AFP Diego Moya-Ocampos, do IHS Markit, com sede em Londres.