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Ataque em base militar levanta questões sobre a unidade das Forças Armadas na Venezuela

Soldados da Força Armada Nacional Bolivariana em desfile cívico em julho - Boris Vergara/Xinhua
Soldados da Força Armada Nacional Bolivariana em desfile cívico em julho Imagem: Boris Vergara/Xinhua

Em Caracas

07/08/2017 16h39

O confuso ataque a uma base militar na Venezuela suscitou questionamentos sobre a unidade das Forças Armadas ao redor do presidente Nicolás Maduro, em meio a uma crise que se torna mais explosiva a cada dia.

Em um incidente em que tanto o governo como os agressores cantam vitória, cerca de 20 homens entraram na madrugada de domingo no forte Paramacay, sede da 41ª brigada do Exército, em Valencia, a 180 km a oeste de Caracas.

Em combates que duraram mais de três horas no destacamento, foram abatidos dois dos agressores e oito foram presos, um dos quais está ferido, enquanto os demais fugiram com armas e são intensamente procurados, anunciou Maduro.

O presidente assegurou que entre os capturados somente um desertou das Forças Armadas. O ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, descartou que se tratasse de uma "insurreição militar" e divulgou fotos dos civis presos.

"Aqui não houve nenhum levante, é a mentira feita política", disse nesta segunda-feira o dirigente Diosdado Cabello ao rechaçar que se trate de uma amostra de rebelião nas Forças Armadas, como asseguram os opositores.

Apesar de se desconhecer o alcance do ataque e que tenha sido executado por um comando misto de civis e militares desertores e no exílio, especialistas concordam que isto evidencia um mal-estar nas classes médias da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB), principal alicerce de Maduro.

"Indica o crescente descontentamento das classes médias policiais e militares, embora o comando militar siga aliado ao governo. Podem ser esperados novos incidentes à medida que aumente esse desconforto", assegurou à AFP o analista do IHS Markit Country Risk de Londres, Diego Moya-Ocampos.

"Operação David"

A ação teria sido liderada pelo capitão Juan Carlos Caguaripano, que, pouco antes do ataque, apareceu em um vídeo nas redes sociais se apresentando como o "comandante da Operação David".

Acompanhado por um grupo de militares com longas armas, Caguaripano, no exílio após ser expulso em 2014 da FANB por rebelião e traição, disse estar se rebelando contra a "tirania ilegítima de Nicolás Maduro".

O presidente afirmou que o grupo "terrorista" tinha relações com a Colômbia e os Estados Unidos, mas não fez alusão a Caguaripano.

"Não somos terroristas nem paramilitares. Somos oficiais reformados e alguns ativos. Foi uma operação limpa, impecável, um sucesso", declarou da clandestinidade à AFP o capitão Javier Nieto Quintero, que diz fazer parte do movimento de Caguaripano.

Nieto afirmou que o comando alcançou o seu objetivo de subtrair "entre 98 e 102 armas, calibre 156 e AK-47".

Para a especialista em assuntos militares Rocío San Miguel, o "beneficiado" com esta ação é "o setor mais radical do governo, que exibe um triunfo e começará a perseguir civis e militares".

Em maio, o líder opositor Henrique Capriles assegurou que 85 soldados, sargentos e capitães foram presos por discordar da repressão aos protestos opositores, que deixam 125 mortos em quatro meses.

Capriles esclareceu, então, que deviam diferenciar a "cúpula corrupta" dos soldados que sofrem com a crise socioeconômica.

"Há muito descontentamento, muito mal-estar, muita desmoralização, porque todos esses generais estão envolvidos em atos de corrupção e tráfico", assegurou Nieto.

A oposição convocou reiteradamente a Força Armada a romper com Maduro, que lhe deu enorme poder político e econômico, e cujo comando de alto escalão lhe declarou lealdade absoluta.

"Radicalização total"

O ataque acrescentou mais tensão à explosiva crise venezuelana, agravada desde a realização da Assembleia Constituinte que, em seus primeiros passos, mostra uma radicalização do governo.

"O desarranjo institucional é evidente. O regime tenta se salvar mediante a violação em massa da Constituição sustentada na força, levando o confronto ao terreno da violência das armas", disse à AFP o analista Luis Salamanca.

A Constituinte, que comandará o país por dois anos e redigirá uma nova Constituição, começou destituindo a procuradora-geral, Luisa Ortega, que rompeu com Maduro, e em suas próximas ações poderia retirar a imunidade de deputados opositores para mandá-los à prisão.

"A Constituinte pode retirar a imunidade de Raimundo e de todo mundo", advertiu Cabello.

Para o analista Luis Vicente León, o governo, cada vez mais isolado pela comunidade internacional e ameaçado por sanções dos Estados Unidos, pode "chutar definitivamente qualquer tentativa de aparentar o que não é".

"Já não tem que se mostrar nem de forma fictícia ser democrático, nem respeitoso com os direitos humanos. Chega o momento da radicalização total para se unificar", apontou.