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Prisão na Colômbia aproveita moda e cria restaurante "gourmet" para empregar detentas

Em Cartagena

10/10/2017 04h00

Já vestida de garçonete, Arleth Martínez beija as fotos de seus dois filhos antes de deixar a cela, caminhar alguns metros e começar o dia em Interno, o primeiro restaurante gourmet que funciona em uma prisão na Colômbia.

As fotos dos gêmeos de sete anos servem como "amuleto" para Martínez, mulher negra de 26 anos, que paradoxalmente tem que vestir um uniforme para deixar a prisão e atender os clientes. Ela usa camiseta e avental pretos e uma colorida touca fúcsia que cobre seu cabelo preso.

Há dois anos Martínez chegou a San Diego, prisão feminina do porto turístico de Cartagena, para cumprir uma condenação de seis anos por extorsão, mas sua vida mudou desde dezembro.

"Embora ainda esteja na prisão, me sinto livre, porque é um ambiente completamente diferente", assegura entre risadas. Pelo menos deste lado "não se vê tanta grade", diz à AFP.

Seguindo o exemplo do centro de detenção de Pollsmoor, na África do Sul, onde esteve preso Nelson Mandela, e da prisão para homens de Milão, na Itália, cada vez mais penitenciárias ensaiam este tipo de experiência de reintegração por meio da cozinha.

Localizada no centro histórico desta cidade de um milhão de habitantes, San Diego é a primeira prisão de mulheres com atendimento ao público. Um mural de flores pintado pelas internas domina a visão.

Quinze das 150 detentas de San Diego --várias delas acusadas de tráfico ou assassinato-- se dividem entre a cozinha e o atendimento aos clientes.

A cada dois dias de trabalho descontam um dia de condenação.

Redenção

Uma cortina fúcsia divide o restaurante das celas.

O menu de 90.000 pesos (US$ 30) inclui entrada, prato principal, sobremesa e suco de frutas. Um turista pode aproveitar desde um "ceviche de peixe no leite de coco" até "arroz caldoso com frutos do mar", ou uma "posta cartagenera", uma carne com molho preto típico da cidade.

Interno desponta como uma alternativa de ressocialização na Colômbia, país com a segunda maior população carcerária da América do Sul (cerca de 120.000 presos), depois do Brasil.

Nos últimos 17 anos, o número de presos passou de 51.500 para 119.500, segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (

O endurecimento das penas e o tráfico de drogas enchem as 138 prisões do país, com capacidade para abrigar cerca de 80.000 presos.

"Acredito em segundas chances", lê-se na camiseta de Martínez. Uma frase similar, em cima de uma flecha preta, aponta para a entrada do restaurante, um portão fúcsia.

Com capacidade para 50 clientes, o local oferece jantares gourmet de terça-feira a domingo. Às 23h00 fecha as portas, e as mulheres retornam para suas celas para a contagem rotineira.

Assim como a maioria das penitenciárias da Colômbia, em San Diego há superlotação. São 150 mulheres em um espaço habilitado para 100 e, como em outras prisões, muitas esperam a condenação atrás das grades.

O restaurante é uma experiência da fundação Ação Interna. Sua diretora, Johana Bahamón, se inspirou no restaurante InGalera, que funciona no estacionamento da prisão masculina de Milão.

Essa atriz loira da televisão, de 35 anos, convenceu as autoridades a adaptar a ideia em San Diego, que fica a poucos metros de hotéis cinco estrelas vistos na Cidade Amuralhada.

Uma cela para 25

Em dois meses capacitaram as internas em cozinha, serviço ao cliente e padaria, e criaram o menu com a ajuda de renomados chefs de cozinha. O local foi preparado no pátio onde antes os guardas estacionavam motocicletas.

"As pessoas quando entram sabem que estão em uma prisão e que vão ver reclusas. Quando saem, saem felizes de conhecer seres humanos talentosos, valiosos e reais", assegura Bahamón à AFP.

Hoje, ao menos durante a noite, Martínez se move entre turistas refinados, personalidades e pessoas de meios solidários com Bahamón e sua causa.

Mas quando esta mulher chegou a San Diego se chocou com a vida na prisão: drogas, falta de higiene e um espaço bagunçado. Durante quatro meses dormiu no chão, em uma cela com 25 internas, angustiada pelos filhos que teve que deixar aos cuidados de sua mãe.

No ano passado se formou no Ensino Médio e se tornou garçonete. Do pais de seus gêmeos apena guarda a lembrança dos maus-tratos e do abandono.

"Somente as guerreiras" conseguem sobreviver na prisão, considera Martínez, sempre sorridente. Quando começou a trabalhar em Interno recebeu como recompensa um beliche para dormir.

Clientes como Antonio Galán chegam atraídos pela experiência. Desde a ocasião até o ambiente "sente-se o sabor e aroma de liberdade", diz este bogotano.