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Carles Puigdemont, o homem que liderou a independência da Catalunha

28/10/2017 19h09

Barcelona, 28 Out 2017 (AFP) - Foi um sonho de juventude realizado. Carles Puigdemont liderou o movimento que resultou na declaração de independência da Catalunha e que, embora tenha lhe valido a destituição do cargo de presidente regional, não cede em seu empenho e convoca seus seguidores à resistência pacífica.

Aos olhos do mundo, este ex-jornalista de 54 anos, de vasta cabeleira castanha, é a face do movimento separatista catalão, que conseguiu 47,7% dos votos nas eleições regionais de 2015.

Nos meios econômicos fala-se do "efeito Puigdemont" para se referir às empresas que deixam a região. "Puigdemont para a prisão!", gritavam os defensores da unidade da Espanha que protestaram em Madri neste sábado (28), no dia seguinte à proclamação da república da Catalunha pelo Parlamento regional.

Como entender a determinação deste homem casado com uma romena, pai de duas filhas pequenas, e que afirma não ter medo de ir para prisão?

- Sobrevivente de um acidente -Em uma biografia publicada em 2016, o amigo e jornalista Carles Porta o descreveu como um homem "honesto e resiliente", com a característica de "um corredor de fundo". Tem "essa virtude (ou defeito, vai saber): é teimoso".

Sob anonimato, um adversário político seu explicou que "não tem grande bagagem" intelectual, mas desde os 16 anos tem "o separatismo no sangue".

Seu destino mudou em um dia de janeiro de 2016 quando foi chamado para liderar uma coalizão separatista, decidida a levar os 7,5 milhões de catalães à independência.

Prefeito de Gerona (98.000 habitantes) desde 2001, o então deputado conservador catalão aceitou. Assim, substituiu à frente do governo regional Artur Mas, inaceitável aos olhos dos separatistas de extrema esquerda - cujo apoio necessitava no Parlamento - devido à sua condição de convertido tardio ao separatismo e seus cortes orçamentários.

Mas deixou para Puigdemont um pesado fardo: o de inimigo número um do governo espanhol do conservador Mariano Rajoy, com o qual não havia nenhum diálogo.

Um dos poucos pontos em comum entre Rajoy e Puigdemont é que os dois sofreram, quando jovens, um terrível acidente de carro: Rajoy conserva as cicatrizes debaixo de sua barba, e Puigdemont no lábio e na testa, debaixo de sua franja.

O presidente catalão nasceu em 1962 na casa de sua família em Amer, um povoado próximo aos Pirineus, a 100 quilômetros de Barcelona e suas elites.

Filho e neto dos confeiteiros do povoado, o segundo de oito irmãos tinha nove anos quando foi mandado para um internato e aprendeu "a ser um lutador", lembrou Porta.

O ditador Francisco Franco morreu quando Puigdemont tinha 13 anos.

Muito apegado à língua catalã e apaixonado pela história, o adolescente lembrava muito bem da repressão imposta à região rebelde depois da Guerra Civil (1936-1939).

Em 1980 se filiou ao Convergência Democrática da Catalunha, partido conservador e nacionalista de Jordi Pujol (presidente catalão entre 1980 e 2003), que conseguiu aumentar a autonomia da região.

Trabalhou como revisor do jornal nacionalista El Punt e se tornou diretor, combinando jornalismo e militância.

Na época os separatistas ainda eram poucos.

No verão de 1991, viajou para estudar o caso da Eslovênia que, após um referendo de independência proibido, tinha acabado de declarar unilateralmente a sua independência da Iugoslávia, à qual seguiu uma breve guerra.

Nos anos seguintes, advogou por ampliar a base social do separatismo mediante a não-violência, como Gandhi: "não precisamos ter pressa, temos que fazer bem", relembra em sua biografia.

Familiarizado com as novas tecnologias, Puigdemont fala inglês, francês e romeno. Criou uma agência de notícias catalã, um jornal em inglês sobre a Catalunha, e presidiu a Associação de Municípios pela Independência.

"Sabe muito da situação, conhece muito bem a importância dos meios de comunicação e está demonstrando que os utiliza muito bem", disse o analista político Antón Losada.

- 'Terra prometida' -Há cinco anos há manifestações multitudinárias reclamando um referendo de autodeterminação da Catalunha. Uma parte dos catalães está agradecido a ele por manter a sua promessa de organizar, custe o que custar, o referendo inconstitucional de 1º de outubro, que acabou com ações dos policiais. O resultado: 90,18% dos votos ao "sim" a uma República Catalã independente com a participação de 43% dos habitantes.

Para os que se opuseram ao referendo, isso não foi mais do que "uma farsa de democracia" para legitimar uma declaração de independência, e reprovaram que ele tenha dado as costas para a outra metade da Catalunha - os opositores à independência.

Para o analista político Joan Botella, Puigdemont protagoniza "uma fuga em frente".

"Tem a tentação do momento histórico, acredita que está vivendo um momento de glória, um desafio para a história da nação, e que é o homem chamado pelo destino para conduzir os catalães à terra prometida, seu entorno é muito pouco previsível e ele não é disciplinado com relação ao seu partido, onde estão preocupados", acrescentou.

Mas "não parece ser em absoluto o iluminado fanático descrito em Madri", prosseguiu.

Neste sábado, apesar do anúncio de sua destituição pelo governo central, o separatista assinou seu discurso, escrevendo: "Carles Puigdemont, presidente da Generalitat (governo regional) da Catalunha", e convocou seus seguidores a "se opor democraticamente" à tomada de controle da Catalunha pelo governo espanhol, sem informar como.