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Colômbia tem aniversário pouco feliz do acordo de paz com a Farc

24/11/2017 16h43

Bogotá, 24 Nov 2017 (AFP) - No aniversário do histórico acordo de paz na Colômbia, a ex-guerrilha Farc denunciou nesta sexta-feira (24) o não cumprimento do que foi pactuado, apesar do compromisso do governo de levar adiante o combinado que amenizou meio século de guerra interna.

Mesmo que tenha salvado milhares de vidas, o acordo que significou o desarmamento e transformação em partido político do grupo rebelde mais poderoso da América não desperta o entusiasmo geral, e no caso dos ex-guerrilheiros reina a incerteza.

No mesmo Teatro Colón de Bogotá, onde a paz foi selada, o presidente Juan Manuel Santos e o ex-comandante guerrilheiro Rodrigo Londoño (Timochenko) se reencontraram e apenas apertaram as mãos antes de cada um fazer o seu balanço.

O chefe da agora chamada Força Alternativa Revolucionária do Comum (Farc) foi enfático: "o que estão implementando não foi o acordo assinado aqui há um ano".

Anteriormente, Santos também questionou o seu contraparte: "há os que veem o copo meio cheio e outros que sempre querem vê-lo meio vazio. Agora a Farc, partido político, e a extrema direita concordam com este último".

O presidente e Londoño se reunirão durante o dia para tratar os atrasos e descumprimentos do acordo com o qual começaram a extinguir um confronto com quase oito milhões de vítimas entre mortos, desaparecidos e deslocados, e que envolve o narcotráfico e outros grupos armados.

"Houve demoras, dificuldades, cometemos erros, eu cometi erros, mas estamos trabalhando incansavelmente para avançar", se defendeu Santos, que deixará o poder em agosto.

Teria se tornado uma repreensão o que deveria ser uma festa?

- Trava legislativa -Em 15 de agosto, as Farc entregaram à ONU a sua última arma. Quase 7.000 homens e mulheres pararam de combater e as mortes pelo conflito, que no início dos diálogos chegavam a 3.000 por ano, caíram para 78, segundo cifras oficiais.

Após o desarmamento avalizado pelas Nações Unidas, as Farc, que mantiveram sua sigla de guerra, mas com um novo significado, preparam sua estreia nas eleições de 2018.

Mas o acordo de 310 páginas também prevê reformas rurais e políticas que não saíram do papel. E o que mais preocupa é o que pode acontecer na Jurisdição Especial para a Paz (JEP), que julgará os crimes atrozes cometidos durante o conflito.

O Congresso, com uma instável maioria governista, ainda não regulamenta o sistema sob o qual guerrilheiros e militares poderão receber penas alternativas à prisão se confessarem seus crimes, repararem as vítimas e se comprometerem a nunca mais exercer a violência.

Na visão da Farc, o Legislativo, que tem até o fim do mês para aprovar a lei por via rápida, pretende modificar o acordado para prejudicá-los.

"O mesmo Congresso que há um ano aprovou o acordo de paz hoje está empenhado de modo vergonhoso a transformá-lo em migalhas com uma conduta que desonra o Estado colombiano", declarou Timochenko.

Além disso, a Farc denunciou o assassinato de ao menos 23 ex-guerrilheiros e 11 familiares de integrantes do movimento, enquanto a ONU assegura que cerca de 3.600 ex-combatentes abandonaram as 26 zonas onde se concentraram para sua reincorporação social e econômica, muitos desencantados com o processo.

"Sei que a Farc tem reclamações, sei que tem preocupações (...). Mas que não reste a menor dúvida: continuaremos cumprindo com os acordos", assinalou Santos.

Timochenko, que descartou o retorno às armas, também renovou seu compromisso apesar das dificuldades. "Não voltaremos atrás em nenhum dos termos pactados".

- Polarização -Embora menos intenso do que antes, o conflito não terminou. O governo de Santos persegue entre 800 e 1.000 dissidentes do grupo marxista, combate sem trégua o tráfico de drogas e negocia a paz com o Exército de Libertação Nacional (ELN), a última guerrilha que reconhece.

Mas a polarização não termina. A direita e outros setores consideram muito indulgente o acordo alcançado com uma organização que se financiou do narcotráfico e incorreu em ações cruéis.

"Há mais confronto político e pouco cumprimento", disse à AFP Germán Mecías, um universitário de 23 anos que assistiu ao evento no teatro.

Com uma imagem negativa de 79% dos pesquisados, a Farc postulou Londoño à Presidência e candidatos ao Congresso. O pacto garante a eles 10 cadeiras no Parlamento, que conta com 268, por dois períodos de quatro anos.

Nas cidades "eles têm muito rejeição (...). A Colômbia é um país que tem muitas feridas para serem curadas e muitas coisas para serem perdoadas, e isso não é um tema de um dia para o outro", comentou com a AFP Ariel Ávila, da Fundação Paz e Reconciliação.

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