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O lucrativo negócio dos milagreiros no combate à aids na Nigéria

30/11/2017 16h27

Lagos, 30 Nov 2017 (AFP) - Blessing queria muito acreditar, pois, independentemente do bom senso, era sua última esperança. Ela viu o anúncio no Facebook prometendo cura, clicou e quase caiu em um golpe.

Aconteceu há alguns meses. Esta nigeriana de 30 anos - seu nome é fictício - criou um perfil falso na rede social e entrou em contato com o "curandeiro tradicional", muito bem conectado com as novas tecnologias.

Por 100.000 nairas (232 euros), ela obteve uma poção feita com plantas que erradicaria "em 100%" a doença. A jovem hesitou e pediu para falar pessoalmente com seu benfeitor. Antes, recebeu uma resposta direta: ele lhe enviaria o número de sua conta bancária.

"Só me falou em dinheiro, então deixei o assunto de lado...", contou à AFP, com sua voz suave. "Mas estava disposta a tentar. Havia tantos comentários que diziam que funcionava".

Graças ao tratamento anti-retroviral gratuito que recebeu na Nigéria, Blessing pôde terminar seus estudos em sociologia em Abuja, sente-se mais ou menos "confortável" com a vida cotidiana e faz "suas coisas". O mais insuportável para ela é não conseguir encontrar um companheiro.

"Estava desesperada. Todas as relações que quis ter foram complicadas", contou à AFP. "Sei que devo aprender a viver com o vírus", acrescentou.

Para além das armadilhas da internet, o desespero e a estigmatização que acompanham os soropositivos os torna presas fáceis de "milagreiros" de todo tipo neste país muito religioso de 180 milhões de habitantes.

Não passa um mês sem que um pastor anuncie ter "salvado" um fiel. Em Lagos, os doentes vêm de todo o continente às igrejas evangélicas, que são tão imponentes quanto shopping centers, atraídos pelas promessas de pregadores inescrupulosos.

Um dos mais conhecidos e mais controversos é TB Joshua, que encabeça a Sinagoga Igreja de Todas as Nações (Scoan) e tem uma fortuna de vários milhões de dólares, e que se vangloria de ter curado doentes de aids e, inclusive, de ter feito mortos voltarem à vida.

Seu site na internet está repleto de testemunhos que registram as proezas do "profeta", como este: um tal "Ubon (...) foi curado do HIV/aids graças a uma oração", prova de que "nenhuma doença pode escapar do poder de cura de Jesus Cristo".

- 'Sem prova científica' -Há quem garanta ter encontrado "O" remédio científico esgrimindo revistas obscuras que publicam seus trabalhos. O anúncio, feito no começo do ano por um professor da Universidade de Agricultura de Abia (sudoeste), motivou a publicação de muitos artigos na imprensa nigeriana.

Após "25 anos de pesquisas", o professor Maduike Ezeibe afirmou ter testado com sucesso em pacientes um medicamento produzido por ele.

"A Nigéria é o primeiro país que tem dez pessoas que se curaram de HIV/aids", declarou em março o professor ao jornal Guardian Nigeria.

Estas afirmações foram imediatamente condenadas pelas agências de saúde nigerianas que destacaram "a ausência de prova científica sólida" e as consequências dramáticas que podem ter sobre os doentes se pararem com o tratamento.

"Se uma pessoa está convencida de que está curada, quando ao contrário tem o vírus, o risco de transmissão será mais elevado", explica à AFP Daniel Ndukwe, da Agência Nacional de Luta contra a aids (Naca).

Ainda assim, algumas pessoas que dizem ter se livrado do HIV "por cura milagrosa", experimentaram depois "uma deterioração de seu (estado de) saúde", segundo Ndukwe, embora não se tenha feito um estudo formal na Nigéria para conhecer a magnitude do problema.

O que é certo é que muitos compreenderam o potencial do "mercado" na Nigéria.

Embora a taxa de presença entre os adultos (2,9% em 2016) seja baixa com relação a outros países, como a África do Sul (18,9%), o número de pessoas que vivem com HIV, 3,2 milhões, continua sendo um dos mais elevados do continente.