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Para muçulmanos rohingyas, melhor morrer do que voltar a Mianmar

15/12/2017 16h32

Cox's Bazar, Bangladesh, 15 dez 2017 (AFP) - A doença, a fome e a miséria absoluta reinam nos gigantescos campos rohingyas no sul de Bangladesh. Mesmo assim, poucos refugiados desta minoria muçulmana pensam em voltar a Mianmar.

As organizações internacionais e a comunidade rohingya veem com ceticismo o acordo de repatriação dos refugiados, assinado pelos governos de Bangladesh e Mianmar no mês passado.

"Assinam acordos, mas não os respeitam", afirma Mohamad Syed, um refugiado rohingya. "Quando voltarmos, mais uma vez irão nos torturar e matar".

Esse medo tem fundamento. Mais de 655.000 muçulmanos rohingyas de Mianmar foram para Bangladesh desde o fim de agosto fugindo do que a ONU considera como uma limpeza étnica por parte do Exército.

Somente entre o fim de agosto e o fim de setembro, ao menos 6.700 rohingyas morreram pelas mãos dos militares birmaneses, segundo uma estimativa publicada na quinta-feira pelos Médicos Sem Fronteiras (MSF). No entanto, a ONG considera que o balanço real poderia ser muito mais grave.

Os depoimentos dos refugiados sobre massacres, estupros coletivos e incêndios de povoados parecem "elementos de genocídio", declarou no início do mês Zeid Ra'ad Al Husein, o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos.

O acordo para voltar "é uma armadilha. Nos deram garantias similares no passado e, no entanto, fizeram de nossas vidas um inferno", diz Dolu, uma refugiada.

Apesar da precariedade nos campos da região de Cox's Bazar, "prefiro viver aqui. Aqui temos comida e abrigo, e podemos rezar livremente. Temos autorização para viver", acrescenta.

- 'Sentirei saudades' -A região do estado de Rakhine (oeste de Mianmar), da qual os refugiados fugiram, tem um longo passado de violência.

Os rohingyas são tratados como estrangeiros em Mianmar, onde 90% da população é de confissão budista. São considerados apátridas, embora algumas famílias vivam nesse país há gerações.

Desde que em 1982 retiraram a nacionalidade birmanesa, estão submetidos a muitas restrições e não podem viajar ou se casar sem autorização. Tampouco têm acesso ao mercado de trabalho, ou a serviços públicos, como escolas e hospitais.

Nos últimos 40 anos, ocorreram três séries de êxodos em massa dos rohingyas para Bangladesh (1978, 1991-1992, 2016-2017), apesar das ondas anteriores não terem alcançado as proporções atuais.

Os rohingyas que ficam em Rakhine estão submetidos a muitas limitações. Desde os distúrbios de 2012, cerca de 100.000 dentre eles estão bloqueados em campos no centro da região.

Várias organizações humanitárias advertiram que boicotariam qualquer novo campo para os rohingyas em Mianmar. Consideram que os refugiados têm o direito a voltar para casa, muitas vezes destruídas, e não podem ser obrigados a viver nessas condições.

Os birmaneses "têm que nos reconhecer como cidadãos do país. Têm que nos dar documentos de identidade autênticos de rohingyas. Só então retornaremos", explica Aziz Khan, de 25 anos, em um campo de Kutupalong.

"Senão é melhor morrer aqui em Bangladesh", lança.

O gesto humanitário de Daca, que abriu suas fronteiras à maré humana de rohingyas, foi saudado pela comunidade internacional.

Mas para o governo de Bangladesh, esses refugiados têm que ser hóspedes temporários que vão voltar para Mianmar. Por isso, as autoridades rejeitam que os campos provisórios se desenvolvam mais e se tornem zonas habitáveis em longo prazo. Mas, na prática, há refugiados que demoram décadas vivendo neles.

Esta crise humanitária exerce uma grande pressão sobre os bengaleses da região de Cox's Bazar, que viram os preços dos produtos de base dispararem.

O acordo para voltar "é uma boa notícia, (daremos) adeus a eles. É hora de voltarem de onde vieram", disse Ehsaan Hosain, uma vendedora de Cox's Bazar.

Entretanto, Mohamad Ali, motorista de riquixá, teme que com a partida dos rohingyas perca uma parte da sua renda, que duplicou com sua chegada.

"De alguma maneira, sentirei saudades deles se forem embora", declarou.