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Lula, entre a Presidência e a prisão

24/01/2018 11h25

São Paulo, 24 Jan 2018 (AFP) - Um operário que venceu a fome e conduziu o Brasil ao topo, ou o chefe de um dos maiores esquemas de corrupção da história: ninguém é indiferente a Luiz Inácio Lula da Silva em um país que se debate entre levá-lo à Presidência ou à prisão.

Aos 72 anos, o destino de quem Barack Obama chamou, há uma década, de "o cara", está agora nas mãos de um tribunal de apelação, que decidirá nesta quarta-feira (24) se ratifica a sentença por corrupção.

A confirmação pode acabar com suas ambições de retornar à Presidência, que ocupou entre 2003 e 2010, ou inclusive mandá-lo para a prisão, mas o patriarca da esquerda não pensa em baixar a cabeça.

"Mesmo se acontecer a condenação, vocês verão que eu continuarei tranquilo. A minha tranquilidade vai infernizar a vida deles", afirmou na quinta-feira, durante ato em São Paulo.

"Eles" são as elites às quais acusa de conspirar para evitar que o ex-torneiro mecânico, favorito nas pesquisas de intenção de voto, vença as eleições de outubro.

"Se o Ministério Público e o juiz Sérgio Moro tiverem uma prova de que desviei cinco centavos, apresentem-na, desmoralizem-me e me prendam", desafiou em julho, após tomar conhecimento da primeira sentença.

O popular juiz anticorrupção acabara de condená-lo a nove anos e meio de prisão por considerá-lo beneficiário de um tríplex no Guarujá, litoral de São Paulo, oferecido pela empreiteira OAS em troca de contratos com a Petrobras, mas o autorizou a recorrer em liberdade.

Foi o último capítulo de uma guerra que começou em março de 2016, com a Polícia acordando-o ao amanhecer para depor e que levaria o Ministério Público Federal a escrevê-lo como o "comandante máximo" da corrupção na petroleira.

Com outros seis processos abertos, o confronto ressuscitou o combativo líder sindical, cuja trajetória não parou desde que deixou o chão de fábrica até ser eleito Presidente da República; mas os escândalos e a crise corroeram aqueles 87% de popularidade, com os quais deixou o Planalto, em 2010.

- 'Estrela de rock' -Nascido na aridez de Caetés, interior de Pernambuco, Lula conheceu desde criança o lado dramático da pobreza que castigava quase um terço dos brasileiros.

Sétimo filho de um casal de analfabetos, foi abandonado pelo pai antes de a família emigrar para a industrial São Paulo, assim como outros milhões de conterrâneos.

Ele foi vendedor ambulante e engraxate. Aos 15 anos, iniciou a formação como torneio mecânico, perdeu um dedo mindinho ao operar um torno mecânico, ao final dos anos 1970 liderou uma greve histórica que desafiou a ditadura militar (1964-85).

Brasília, no entanto, precisou esperar e foi derrotado em três ocasiões como candidato à Presidência pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que ele próprio cofundou em 1980.

Quatro anos antes, este sindicalista carismático havia se apresentado em uma conferência do economista Eduardo Suplicy. Na época, tinha formação de operário, mas queria saber tudo sobre distribuição de renda.

"O Lula tem uma capacidade de assimilar conhecimentos e de se pronunciar de uma maneira tão clara que conseguiu entusiasmar a população brasileira e, especialmente, porque ele sempre manteve um contato muito próximo com a população e inclusive com a população mais pobre", contou à AFP Suplicy, que também foi cofundador do PT e senador durante 25 anos.

O político a quem a revista Foreign Policy chamaria posteriormente de "estrela de rock da cena internacional", chegou finalmente à Presidência em 2003. Durante seus dois mandatos, empurrados pelo vento favorável da economia mundial, 30 milhões de brasileiros saíram da pobreza.

E coroou sua Presidência conseguindo a sede da Copa do Mundo de futebol de 2014 para o Brasil e os Jogos Olímpicos de 2016 para o Rio de Janeiro.

- 'Sem limites' -Mas aqueles anos de glória foram a raiz dos problemas que o conduziram às portas da prisão, como muitos apontam e afirmou em setembro seu ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, agora preso por corrupção.

"[Lula] dissociou-se definitivamente do menino pobre retirante para navegar no terreno pantanoso do sucesso sem cítica (...), do poder sem limites", escreveu aquele que foi um dos mais influentes líderes do PT.

Os dois haviam sobrevivido juntos ao escândalo do Mensalão, em 2005, um esquema milionário de contabilidade ilegal para comprar o apoio de congressistas, após o que Lula desmontou a direção do partido.

Ele conseguiu se manter à margem, foi reeleito em 2006 e em 2010 carimbou a vitória de sua sucessora e afilhada política, Dilma Rousseff (destituída em 2016 pelo Congresso).

Pouco depois, foi diagnosticado com um câncer na laringe, do qual foi curado, embora a doença tenha deixado ainda mais rouca sua voz, que agora ergue para dizer que continuará lutando para voltar ao poder e restituir a honra de sua esposa, a falecida Marisa Leticia, citada com ele em alguns processos a que responde.

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