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A persistente ameaça da seita Verdade Suprema no Japão: grupo segue atraindo fiéis

29.jul.1995 -  Shoko Asahara, da seita Aum Shinrikyo, é transferido da prisão no Japão - JIJI PRESS/AFP
29.jul.1995 - Shoko Asahara, da seita Aum Shinrikyo, é transferido da prisão no Japão Imagem: JIJI PRESS/AFP

Em Tóquio

19/03/2018 10h07

Mais de duas décadas depois de a seita Verdade Suprema (Aum  Shinrikyo) ter espalhado o terror no metrô de Tóquio, com gás sarin, os grupos que assumiram sua posição continuam atraindo fiéis.

O guru Shoko Asahara foi condenado à morte, assim como 12 discípulos, pelo atentado que deixou 13 mortos e mais de 6.000 feridos em 20 de março de 1995. Fundada em 1984 e misturando preceitos budistas e hinduístas com um pano de fundo de visões apocalípticas, a seita Aum ainda existe legalmente em um país com uma longa tradição de fragmentação religiosa.

Foi rebatizada como Alef, primeira letra do alfabeto hebreu e, oficialmente, desvinculou-se do guru anterior no ano 2000. Na realidade, sua influência continua sendo importante, de acordo com o serviço de Inteligência japonês.

Alef "pede insistentemente a seus discípulos que considerem Asahara como um ser supremo", afirma um investigador que pediu anonimato.

"Se alguém declarar 'o guru Asahara quer demolir o Japão', os discípulos passariam à ação", completa, preocupado com o "perigo potencial" representado pela seita.

Durante operações em locais da seita, foram encontradas gravações com os preceitos do "mestre" e dispositivos de Iniciação para a Salvação Perfeita (Perfect Salvation Initiation). Esse dispositivos são, na realidade, capacetes com eletrodos que emitiriam ondas cerebrais.

'Campo de batalha'

Alef e outros grupos dissidentes, que negam qualquer vínculo com Asahara, têm 1.650 membros no Japão e algumas centenas na Rússia.

Ocultando sua verdadeira identidade, a cada ano atraem quase 100 pessoas com a organização de aulas de ioga, de adivinhação e outras atividades anódinas. Os grupos têm como alvos preferenciais os jovens, que não lembram do ataque de 1995.

"As mulheres jovens comparecem a sessões de treinamento com seus filhos", conta o investigador.

"Nós tememos que um número crescente de crianças esteja sob a influência de Aum", admite.

Shoko  Asahara teve quatro filhas e dois filhos com sua mulher Tomoko. Quase todos são leais, mas uma de suas filhas abandonou a seita em 2006 quando tinha 16 anos e revelou momentos de terror, como a obrigação de se alimentar com comida que continha pedaços de cerâmica, ou permanecer quase nua no frio.

"Era um ambiente impensável em um Japão moderno. Tinha medo de ser morta, se me rebelasse. Estava sempre tensa", afirmou em um comunicado publicado no ano passado, sem revelar seu nome.

"É como se eu tivesse vivido em um campo de batalha durante 16 anos", desabafa.

"Espero realmente que nenhuma outra criança cresça nos grupos que sucederam a Aum", advertiu.

Novo guru?

No início de março, Asahara completou 63 anos.

"Não celebramos em nada esta data", disse à AFP Akitoshi Hirosue, vice-diretor da seita Hikarinowa (O círculo da luz) nas sedes do grupo situado em um bairro tranquilo de Tóquio.

"Além disso, pensamos que Asahara deve ser executado", frisou.

A Hikarinowa foi criada em 2007, por iniciativa do ex-porta-voz do Aum Fumihiro Joyu, que deseja romper com o passado da seita. O grupo tem entre 100 e 150 membros.

"Enquanto não for executado, Asahara é visto como 'um salvador eximido da execução' o que ajuda a Alef a atrair discípulos", afirmou recentemente Joyu.

Alef não respondeu ao pedido de entrevista da AFP.

Taro Takimoto, um advogado que trabalha com parentes dos discípulos há várias décadas, também é favorável à aplicação da pena capital para o guru, mas não para os outros 12 membros, que considera completamente doutrinados.

"Para eles, Asahara era mais do que um Deus", disse.

"Deveríamos fazer que falassem (sobre sua experiência) até sua morte de forma natural para impedir que uma tragédia semelhante se repita", completou.

"Se forem executados, serão transformados em 'mártires'", adverte.

A morte do guru encerraria um doloroso capítulo no Japão, mas poderia desencadear uma onda de suicídios entre seus fiéis e provocar a designação de um sucessor, afirma o advogado.

"Se o seu segundo filho, quando estiver em posse das cinzas, se declarar guru, ganhará autoridade religiosa", o que iniciaria um novo capítulo, alerta.