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Os filhos da crise: partos de venezuelanas em RR duplicam e saúde de mães preocupa

Em Boa Vista

25/03/2018 04h00

Os partos de venezuelanas na rede pública de Boa Vista, em Roraima, duplicaram em um ano. Mas, mais que a quantidade, o que preocupa as autoridades brasileiras é a gravidade do estado das parturientes.

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Em 2017, 572 venezuelanas atravessaram a fronteira para ter seus filho em hospital brasileiro
Imagem: Mauro Pimentel/AFP
"Nunca é uma pacientes que vai ficar um ou dois dias internada e vai receber alta; normalmente são bebês prematuros, filhos de mães diabéticas, e isso acaba aumentando o índice de óbitos", explica Luiz Gustavo Araújo, diretor técnico do Hospital Nossa Senhora de Nazareth, a única maternidade pública da cidade.

Os números parecem definir uma nova geração: os filhos da crise econômica e social venezuelana. Em 2016, 288 venezuelanas deram à luz na maternidade, enquanto em 2017 foram 572.

O índice representa apenas 6% dos 9.342 partos registrados na maternidade no ano passado, mas a cifras aumentam. Em janeiro de 2018, foram contabilizados 74 partos de venezuelanas, quase o dobro do mesmo mês do ano passado.

Eu vim para cá porque não tinha como ter meu bebê na Venezuela, o país está cada vez pior. Como tive complicações, lá nós duas teríamos morrido", explica Dayana Rodríguez, que migrou em novembro, grávida de Sofia.

Dayana, 17, veio para o Brasil morar com uma tia, que já residia em Boa Vista. As complicações durante o trabalho de parto a fizeram passar duas semanas internada depois da cesariana decidida de última hora. Diz que não pensa em voltar para seu país porque lá "não há praticamente nada que dê um futuro a sua filha".

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No dia em que a AFP visitou a maternidade, quatro venezuelanas estavam hospitalizadas. Outras acabavam de receber alta. Os quartos do hospital são amplos, limpos, equipados e abrigam não mais de cinco mulheres, a maioria acompanhada por um familiar.

Em um outro quarto, Yulianny Vázquez, também de 17 anos, está em trabalho de parto. A jovem de El Tigre (oeste da Venezuela) ficou sabendo que estava grávida de gêmeos quando chegou ao Brasil, há quatro meses. Não havia feito o pré-natal em seu país.

"Eu vim para cá por causa da situação na Venezuela. Tive medo de ficar lá porque não havia recursos para ter meus filhos, não há remédios, nem comida", afirma Yulianny, que, sentindo dores, se vira de um lado para outro na cama.

Aumento de óbitos 
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A venezuelana Dayana Rodriguez, 17, abraça sua filha recém-nascida no Hospital Maternidade Nossa Senhora de Nazare, em Boa Vista (Roraima)
Imagem: Mauro Pimentel/AFP

Luiz Gustavo Araújo explica que as complicações, que demandam mais recursos e pessoal, se devem, em essência, à falta de atenção pré-natal, de tratamentos, de acompanhamento de doenças como hipertensão e diabetes.

Dos 572 partos de venezuelanas em 2017, 228 foram de alto risco. "Para você ter uma ideia, no ano passado, das seis pacientes que vieram a óbito, duas delas eram venezuelanas, que chegaram em estado muito grave", comenta Luiz Gustavo.

Elas acabam vindo para cá por falta de medicamentos, e isso acaba aumento nosso gasto porque são pessoas que a gente não esperava."

Apesar de não haver um censo oficial, a prefeitura de Boa Vista estima que há 40.000 venezuelanos na cidade.

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A venezuelana Yulen Moraleda, 33, dá leite a um de seus gêmeos recém-nascidos no abrigo Pintolandia, na cidade de Boa Vista (Roraima)
Imagem: Mauro Pimentel/AFP
Luiz Gustavo afirma que para este ano estão previstos entre 650 e 700 partos de venezuelanas na maternidade. "Pode ser mais", acrescenta.

As precárias condições de saúde das mães venezuelanas não são a única novidade no Hospital Nossa Senhora de Nazareth. "Antes éramos uma via de escoamento da fronteira, mas agora recebemos pacientes de outras cidades do interior, até de Caracas" (capital venezuelana), observa.

Eurimar Pérez, 36, acaba de ter seu quarto bebê. Vive em Santa Elena de Uairén, cidade na fronteira entre Venezuela e Brasil. Desta vez, decidiu ir para Boa Vista poucas semanas antes do parto para que sua filha nascesse na maternidade brasileira.

"As coisas mudaram, tudo decaiu e nada é igual em meu país. O hospital onde tive meus primeiros filhos não tem nada, nem recursos, nem remédios. Não podia me arriscar a ter meu bebê lá", afirma ela, que ainda estava se recuperando da cesariana realizada na noite anterior.

Sua irmã se aproxima de Yulimer para que amamente o filho. "Vejo nosso futuro aqui", sussurra Eurimar, enquanto dá de comer a sua filha, a primeira brasileira da prole.

A poucos metros dali, no quarto que compartilha com outras quatro mães, Dayana, sentada na cama, está com Sofia em seus braços. Quando indagada o que espera do futuro, olha a bebê e, sem conter as lágrimas, diz que apenas quer "vê-la crescer e dar a ele o que nunca teve, uma mãe".