Topo

Pescadores ingleses temem ser traídos pelo acordo do Brexit

28/03/2018 15h57

Brixham, Reino Unido, 28 Mar 2018 (AFP) - Nos animados cais de Brixham, um porto do sudoeste da Inglaterra, cresce a angústia entre os pescadores, ao ver que suas preocupações estão ficando de lado nas negociações do Brexit, que eles tanto defenderam.

Sessenta e três por cento dos eleitores desta região votaram pela saída do Reino Unido da União Europeia. Uma clara maioria que demonstra a irritação provocada pelas cotas de pesca impostas pela UE, às quais os pescadores daqui frequentemente culpam pelo declínio da atividade.

"Até onde posso me lembrar, os pescadores nunca tiveram um acordo favorável" da UE, diz Dave Banks, que acaba de voltar de quatro dias no mar. Aos 69 anos, ele continua pescando chocos, linguados e robalos em seu barco de 24 metros da proa à popa.

Segundo um projeto de acordo publicado em março pelo governo britânico, o Reino Unido poderia continuar aplicando a política europeia sobre pesca durante os 20 meses em que vai durar o período de transição após a saída da UE, a partir de 29 de março de 2019.

Esta concessão despertou a ira dos pescadores. Alguns manifestaram sua reprovação subindo o Tâmisa até o Parlamento britânico, onde jogaram peixes no rio.

"Isto me deixa doente", comenta, incomodado, Rick Smith, um pescador aposentado que dirige a Brixham Trawler Agents, instituição que organiza diariamente, na volta das embarcações, o leilão dos pescados.

"Espero que façamos barulho suficiente para impedir que isto ocorra", acrescentou.

- 'Asqueroso' -Nos últimos anos, a indústria não para de cair na Grã-Bretanha por razões econômicas e políticas.

Desde 1938, o número de pescadores recenseados no Reino Unido diminuiu 75%. O número de embarcações caiu 29% desde 1996 para 6.191 barcos.

Um grande número de pescadores deixaram sua atividade após a entrada em vigor das cotas da UE, que limitava a quantidade de peixes que podiam capturar em suas redes.

Nos anos 2000, o governo britânico também enviou barcos a diques secos e ajudou alguns pescadores a se reconverterem para manter as reservas sustentáveis. A pesca representa atualmente cerca de 0,4% do PIB britânico, segundo dados de 2016.

"Muitos barcos acabaram abandonados por causa das cotas", lamenta Dave Banks, enquanto descarrega as caixas de pescado empilhadas em seu barco. "É asqueroso como se trata os pescadores há 40 anos", afirma.

Tanto em Brixham quanto em muitos outros portos dos arredores, os profissionais de pesca consideram que as cotas e o acesso das embarcações europeias até perto de sua costa condenou a indústria, impedindo-a de atender à demanda local.

O caso do bacalhau, peixe favorito dos vendedores de "fish and chips", petisco tipicamente inglês, parece particularmente sensível.

Em 2016, os pescadores franceses obtiveram 72% das cotas para o Canal da Mancha (entre França e Reino Unido) contra 9% para os britânicos. E, embora o Reino Unido o compense com as cotas do Mar do Norte - onde têm mais da metade - esta política é uma aberração para os pescadores da costa meridional britânica.

- 'Muito ressentimento' -Apesar das dificuldades, Brixham, situada no que os moradores chamam de "Costa Azul inglesa", se orgulha do seu passado. Seu porto continua sendo o mais importante da Inglaterra em termos de pesca desembarcada.

E a cidade, atravessada por ruas estreitas e coloridas, continua atraindo turistas, que degustam as especialidades à base de mariscos em seus muitos restaurantes.

Os locais, por sua vez, frequentam o Crown & Anchor, o pub mais próximo do porto, ponto de encontro obrigatório dos pescadores que voltam do mar.

"Antigamente, podíamos pescar o que quiséssemos", lembra, saudoso, Andrew Mcleaod, de 49 anos, trinta deles passados no mar.

Pai de cinco filhos e capitão de um navio, afirma que o preocupa que a pesca vire uma "moeda de câmbio" nas negociações do Brexit.

"Brixham é pesca. Se nos tirarem isso, não nos restará grande coisa", adverte.

"Sem dúvida, a indústria pesqueira foi objeto de um acordo ruim quando entramos na CEE", a Comunidade Econômica Europeia, antecessora da UE, considera a deputada conservadora de Brixham Sarah Wollaston.

"Se não se restabelecer a igualdade quando sairmos da UE, muito ressentimento vai ser criado", alertou.