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Salvar vidas sem ajudar os traficantes: o dilema das ONGs

27/06/2018 10h38

Paris, 27 Jun 2018 (AFP) - Salvar vidas sem cair na armadilha dos traficantes e jogar seu jogo: esse é o dilema enfrentado pelas ONGs que socorrem os migrantes no mar, duramente criticadas pelos governos europeus.

Diante do risco de afogamento no Mediterrâneo, ou da morte pelo frio nos Alpes, as organizações humanitárias atuam, em caso de emergência, para resgatar seres humanos em perigo, sejam quais forem as circunstâncias, asseguram.

Mas também fazem "o jogo de contrabandistas, reduzindo o custo da passagem", acusou na terça-feira o presidente francês, Emmanuel Macron.

"Não podemos aceitar essa situação a longo prazo, porque, em nome do humanitário, significa que não há mais controle algum", acrescentou.

"As ONGs estão certas em salvar pessoas, mas, por outro lado, os traficantes se valem das ONGs", estimou nesta quarta-feira na BFMTV o ex-deputado europeu Daniel Cohn-Bendit.

"Hoje há um problema objetivo: os contrabandistas pegam o dinheiro, dizem para si mesmos 'enviamos as pessoas para o mar e lançamos um sinal SOS'", completou.

Na costa da Líbia, por exemplo, os traficantes de seres humanos perceberam que não precisam investir em embarcações oceânicas capazes de chegar à costa italiana. Eles se contentam com botes infláveis, que são sobrecarregados de migrantes. Às vezes, eles recolhem o motor, uma vez cruzada a fronteira das águas territoriais líbias, deixando um número de telefone para um migrante pedir ajuda.

- Estado de necessidadeNos Alpes, voluntários asseguraram recentemente à AFP que traficantes pegaram seus números de telefone.

"Eles revendem os números de telefones aos migrantes", disse à AFP o diretor da ONG Refúgio Solidário, Philippe Wyon.

"Estamos entre a cruz e a espada, enquanto nossa missão é socorrer as pessoas em perigo na montanha, mas certamente não é servir de carona para os criminosos", afirmou.

Para o médico Philippe de Botton, presidente da organização Médicos do Mundo - França, as associações são vítimas de um falso julgamento.

"Estamos ajudando os migrantes no plano humanitário, mas absolutamente não estamos fazendo o jogo dos contrabandistas", garantiu, em entrevista à AFP.

"Aquele que faz o jogo dos traficantes é quem criminaliza o resgate no mar, ou fecha as fronteiras. Se nós acolhêssemos as pessoas antes de estudar seus casos, como deveria ser a regra, nós quebraríamos o mercado de contrabandistas", avaliou.

"Quando você sabe o que está acontecendo na Líbia, a declaração do presidente Macron é incrivelmente cínica", criticou.

"É uma posição muito política a de Macron, que se alinha com a posição populista italiana, como que por acaso, na véspera do Conselho Europeu, que acontece na quinta-feira", acrescentou.

Acusada de se recusar a obedecer às ordens de entregar os migrantes que resgatou à Guarda Costeira da Líbia, a ONG Mission Lifeline, cujo navio deve atracar esta noite em Malta depois de uma semana de espera no mar, defendeu-se nesta quarta-feira, em um comunicado.

"A única ordem que o barco se recusou a obedecer foi a de entregar essas pessoas para a chamada Guarda Costeira da Líbia, porque isso estaria em contravenção à Convenção de Genebra sobre Refugiados e, portanto, criminoso", disse a ONG.

Na madrugada desta quarta, a ONG espanhola Proactiva Open Arms, cujo navio cruza o Mar Mediterrâneo, estimou que esse mar se tornou "um abismo insuportável transformado em tabuleiro de xadrez político, onde negociamos descaradamente vidas humanas privadas de voz, às quais os direitos mais básicos são negados".

Em março, seu navio, o Open Arms, foi sequestrado na Sicília por suspeita de ajudar na imigração ilegal depois que equipes de resgate se recusaram a entregar imigrantes à Guarda Costeira da Líbia.

As apreensões foram levantadas por um juiz siciliano que estimou que a ONG agiu "em estado de necessidade", porque os direitos fundamentais dos migrantes resgatados não eram garantidos na Líbia.

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