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Macri amplia papel das Forças Armadas e gera polêmica

23/07/2018 22h03

Buenos Aires, 24 Jul 2018 (AFP) - A Argentina anunciou nesta segunda-feira (23) a participação das Forças Armadas na vigilância das fronteiras, dando-lhes tarefas de segurança interna, o que era vetado em um país sensível ao papel dos militares desde a repressão na última ditadura no país (1976-1983).

Ao anunciar as reformas por decreto, o presidente argentino, Mauricio Macri, reafirmou que a missão principal das Forças Armadas é "proteger a soberania nacional e a integridade do território".

Mas "também é importante que possam colaborar com a segurança interna principalmente oferecendo apoio logístico nas áreas de fronteiras como também intervindo frente à proteção de elementos de caráter estratégico", disse.

O alcance da participação militar na segurança interna será esclarecido na terça-feira, quando forem publicados os decretos que modificam o decreto 727/2006 regulamentar da Lei de Defesa Nacional, assinado pelo ex-presidente Néstor Kirchner. Esse decreto somente permitia as Forças Armadas intervirem em caso de agressões externas de parte de outros Estados.

O contraste entre aquele decreto de Néstor Kirchner e o atual, de Mauricio Macri, gerou polêmica na opinião pública da Argentina, com críticas, principalmente, de organizações de direitos humanos.

A reforma apresentada nesta segunda-feira inclui mudanças nos treinamentos, a realocação territorial dos exércitos, no reequipamento, entre outros pontos.

Macri admitiu que a reforma "será difícil", em uma sociedade onde as feridas deixadas pela repressão do Estado continuam abertas.

"É tarefa de toda a sociedade compreender e aceitar que todos os homens e mulheres das Forças Armadas do século XXI são homens e mulheres da democracia", assegurou o presidente de centro-direita.

A Argentina ainda julga os militares que cometeram violações aos direitos humanos durante a última ditadura, que deixou 30.000 desaparecidos segundo organizações humanitárias. Centenas deles foram condenados.

- Novas tarefas -Após o anúncio, o ministro da Defesa, Oscar Aguad, informou que a reforma não envolve a participação militar no combate ao crime comum.

"Isso não vai acontecer, não há chance de que isso possa ocorrer. As forças de segurança combatem o crime, as Forças Armadas não são para isso", assegurou ao canal local TN.

O ministro informou que no curto prazo será formada uma força de ação com equipamento leve, com aproximadamente 10.000 homens.

Também serão enviados militares à fronteira norte para colaborar com a Gendarmeria (polícia militar) no combate contra o tráfico de drogas.

"Vão dar assistência logística às forças de segurança que operam na fronteira norte para ajudar na segurança e dissuadir grupos de narcotráfico e terrorismo que queiram se instalar em nosso território", explicou Aguad.

O ministro acrescentou que os militares "farão patrulhamento", algo que hoje é proibido na Lei de Defesa. A norma tampouco permite a realização de prisões ou dar início a processos judiciais.

- Crítica opositora -A presença de militares na custódia da sociedade civil é um tema sensível para os argentinos.

O deputado opositor Felipe Solá (Frente Renovadora) advertiu que "as Forças Armadas não estão preparadas para fazer segurança interna, é trágico para o país".

"Se querem reformar as Forças Armadas e derrogar as leis existentes, que discutam isso no Congresso", disse o legislador à rádio FM La Patriada.

O ex-ministro da Defesa e atual deputado Agustín Rossi (Frente para a Vitória, kirchnerismo) expressou sua indignação no Twitter: "Desde 1983 é uma política de Estado em nosso país separar a Defesa Nacional da Segurança Interna. Envolver as FFAA em assuntos de narcotráfico é ilegal. Em países como México, Colômbia, Brasil fracassou e se revê essa decisão", escreveu.

Do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), Paula Litvachky, diretora da Área de Justiça e Segurança, questionou a reforma.

"Em épocas de conflito social, precisam superdimensionar o aparato de segurança. Trabalham com a ideia de que os novos conflitos sociais são questões de segurança, e aí as preocupações se extremam ao máximo", disse Litvachky.

Na Argentina, há um conflito social crescente, com protestos e greves contra o governo de Macri, por sua política econômica de austeridade, e o acordo assinado em junho com o Fundo Monetário Internacional para apaziguar uma crise cambial.