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Justiça fecha cerco contra alta hierarquia da Igreja católica chilena

25/07/2018 20h15

Santiago, 25 Jul 2018 (AFP) - Com a intimação do arcebispo de Santiago, Ricardo Ezzati, a depor como denunciado na Justiça chilena em 21 de agosto, a Justiça fecha o cerco contra a alta hierarquia do clero, acusada de acobertar abusos sexuais no âmbito da Igreja católica chilena.

Ezzati terá que depor como denunciado por suspeita de responsabilidade no acobertamento de abusos sexuais praticados, entre outros, por seu braço direito, o sacerdote Oscar Muñoz, preso preventivamente desde a semana passada por abusar sexualmente de sete menores.

Após conhecer o depoimento na promotoria de Rancagua, epicentro das investigações do clero chileno por abusos, o arcebispo emitiu um comunicado, no qual "reitera seu compromisso e o da Igreja de Santiago na busca da verdade e em respeito à justiça civil".

"A Igreja chilena ainda não consegue dimensionar a magnitude da situação pela qual está passando", pois continua considerando a situação como "um erro ou como uma negligência e não como o que realmente é", um delito penal, disse à AFP Luis Bahamondes, teólogo da Universidade do Chile.

Bahamondes avalia que Ezzati está com os dias contados no cargo, assim como outros hierarcas, como o cardeal e arcebispo emérito de Santiago, Francisco Javier Errázuriz, duas das maiores figuras da Igreja católica.

Em apreensões em várias dioceses, entre elas a da capital, a promotoria obteve documentos com denúncias de vítimas que até agora não só tinham permanecido caladas, como os responsáveis seguiam sem punição.

Os abusos de Muñoz vieram à tona quando a promotoria vasculhou os escritórios dos arcebispados de Santiago e Rancagua, em 13 de junho, quando teriam sido encontradas as identidades de pelo menos 40 vítimas de delitos cometidos por religiosos.

- Manto de silêncio -A decisão do papa Francisco de investigar as denúncias e falar com as vítimas derrubou o muro de silêncio que rodeava a hierarquia eclesiástica chilena, acusada de acobertamento.

Este ano, o sumo pontífice enviou ao Chile em duas ocasiões o arcebispo de Malta, Charles Scicluna, que comanda a equipe doutrinária encarregada das denúncias de abusos no âmbito da Congregação para a Doutrina da Fé.

Segundo a promotoria, ao menos 158 bispos, sacerdotes e laicos abusaram sexualmente desde 1960 de pelo menos 266 pessoas, entre elas 178 menores dos dois sexos, mas Bahamondes acredita que serão muitos mais quando os documentos apreendidos vierem à tona.

A cada dia, a sociedade chilena assiste, atônita, a declarações dilacerantes de vítimas, como o caso de Constanza Acuña, de 28 anos, que em uma entrevista ao jornal digital El Mostrador, relatou que a partir dos 10 anos e durante uma década sofreu abusos sexuais e psicológicos do sacerdote Belisario Baldebenito Erices, que conquistou a amizade de seus pais em uma paróquia perto de Valdivia (centro-sul) para agir com total impunidade.

Em 1º de dezembro de 2017, ela denunciou o sacerdote perante o bispo de Villarrica, Francisco Stegmeier, e pôs em cópia o bispo Ignacio González, na ocasião integrante do Conselho de Prevenção de Abusos.

Dias depois, o vigário judicial da diocese de Villarrica, Alejandro Gutiérrez, respondeu para lhe perguntar sobre o caso, mas Constanza não queria que fosse ele quem se ocupasse do caso porque era afilhado de ordenação do abusador, que não hesitou em ameaçar a ela e à sua família, pressionando-a a retirar a denúncia.

Só quando Scicluna foi ao Chile, animou-se a apresentar uma denúncia penal através do Programa de Atenção a Vítimas do ministério do Interior.

Recentemente, o jornal La Tercera publicou uma carta do já ex-bispo de Rancagua, Alejandro Goic, escrita em 2013, quando presidia a Comissão Nacional de Prevenção de Abusos. Nela, advertia seu contraparte Ezzati que os abusos "são um pecado gravíssimo", "um delito civil" e que não fazer nada para condená-los transformava os hierarcas da Igreja em cúmplices.

Era a época em que - diante da prescrição dos crimes de abusos sexuais na justiça civil, cometidos pelo sacerdote Fernando Karadima, que foi afastado das funções pelo Vaticano - o escândalo chegou ao conhecimento da opinião pública por insistência de algumas de suas vítimas.

Agora, o papa tem nas mãos o destino dos cerca de trinta bispos que apresentaram sua demissão, após serem convocados pelo Vaticano em maio. Até o momento, só aceitou a renúncia de cinco - quatro deles por ignorarem ou acobertarem as denúncias - embora a lista possa aumentar consideravelmente em breve, agora que a justiça começou a fechar o cerco contra eles.