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Governo da Nicarágua expulsa missão de direitos humanos da ONU

31/08/2018 16h52

Manágua, 31 Ago 2018 (AFP) - O governo da Nicarágua expulsou nesta sexta-feira (31) a missão do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, dois dias após a publicação de um contundente relatório sobre os abusos cometidos pelo regime contra manifestantes.

O governo do presidente Daniel Ortega ordenou que a missão liderada por Guillermo Fernández Maldonado deixasse o país ainda nesta sexta, denunciou em coletiva de imprensa o Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh).

"Considerando que acabaram as razões, causas e condições que deram origem a tal convite (à missão da ONU), este ministério comunica que dá por concluído o convite e finalizada a visita a partir de hoje, 30 de agosto de 2018", indica a carta do Ministério das Relações Exteriores, datada de quinta-feira e tornada pública um dia depois.

A decisão é tomada dois dias depois de o organismo emitir um duro relatório sobre os abusos contra manifestantes antigovernamentais, que o governo considerou uma "extralimitação" das faculdades da entidade.

O representante da missão da ONU, Guillermo Fernández Maldonado, foi chamado à Chancelaria para uma reunião com o ministro Denis Moncada, em um ambiente tenso e cheio de protocolo, de acordo com uma imagem exibida sem áudio pelo estatal Canal 6 de televisão.

O organismo da ONU anunciou em uma nota à imprensa que "continuará o seu trabalho" de monitorar e informar sobre a situação de direitos humanos na Nicarágua "de maneira remota", conforme o seu mandato conferido pela Assembleia-Geral da ONU.

Também indica que continuará apoiando as vítimas e os familiares e "reitera a sua disposição" de apoiar as autoridades para que a Nicarágua cumpra as suas obrigações internacionais de direitos humanos.

A decisão do governo foi acompanhada de um ambiente de intimidação nas proximidades da sede da ONU em Manágua, onde foram mobilizados grupos de simpatizantes do governo com música de protesto e a explosão de potentes bombas artesanais.

De acordo com o governo, o convite à missão da ONU tinha como objetivo acompanhar o desmantelamento dos bloqueios de estradas mantidos pelos manifestantes contra o governo até julho, quando o regime os eliminou com uma violenta campanha denominada "operação limpeza".

- Decisão insólita -"Esta insólita decisão inoportuna e reflete o ânimo de uma pessoa que se sente completamente perdida, que já não pode ocultar suas responsabilidades e seguir ocultando a verdade", declarou a presidente do Cenidh, Vilma Núñez, referindo-se a Orega.

Na véspera, o Alto Comissário para os Direitos Humanos da ONU pediu à comunidade internacional que adote medidas para frear a crise na Nicarágua, que vive um "clima de medo" após meses de violenta repressão às manifestações da oposição.

"A repressão e as represálias contra os manifestantes prosseguem na Nicarágua, enquanto o mundo olha para o outro lado", afirmou Zeid Ra'ad Al Hussein em um comunicado divulgado por ocasião da publicação do relatório.

"A violência e a impunidade dos últimos quatro meses demonstraram a fragilidade das instituições do país e do Estado de direito, o que gerou um contexto de medo e desconfiança", completou.

As manifestações da oposição na Nicarágua, governada desde 2006 pelo ex-guerrilheiro sandinista Daniel Ortega, começaram em abril contra uma reforma da Previdência - mais tarde abandonada. Os protestos foram ampliadas a todo o país como uma reação à violenta repressão, que deixou mais de 300 mortos e 2.000 feridos.

Entre as violações dos direitos humanos documentadas em um relatório do Alto Comissariado estão o "uso desproporcional da força por parte da polícia, que em alguns casos terminaram em execuções extrajudiciais, os desaparecimentos forçados, as prisões arbitrárias e generalizadas, as torturas e os maus-tratos".

No sábado, milhares de opositores marcharam em diferentes cidades da Nicarágua, exigindo liberdade de presos políticos e a saída do presidente Ortega.

Simpatizantes do governo se também se mobilizaram em apoio ao mandatário.

Em Granada (sul), um dos principais pontos de encontro, centenas de moradores contrários ao governo marcharam pelas ruas apesar de um forte dispositivo policial e da presença da tropa de choque.

Dirigentes da opositora Coalizão Universitária asseguraram que 20 de seus integrantes foram detidos pela Polícia e levados à prisão de Jinotepe (sudeste), quando se dirigiam para Granada.