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Governo da Nicarágua ordena saída de missão de direitos humanos da ONU

31/08/2018 19h56

Manágua, 31 Ago 2018 (AFP) - O governo do presidente Daniel Ortega ordenou nesta sexta-feira (31) a saída da missão do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, após um contundente relatório sobre a repressão no país, anunciou a Chancelaria em uma carta distribuída à imprensa.

"Considerando que acabaram as razões, causas e condições que deram origem a tal convite (à missão da ONU), este ministério comunica que dá por concluído o convite e finalizada a visita a partir de hoje, 30 de agosto de 2018", indica a carta do Ministério das Relações Exteriores, datada de quinta-feira e tornada pública um dia depois.

A missão anunciou que abandonará a Nicarágua neste sábado.

A decisão é tomada dois dias depois de o organismo emitir um duro relatório sobre os abusos contra manifestantes antigovernamentais, que o governo do presidente Daniel Ortega considerou uma "extralimitação" das faculdades da entidade.

O representante da missão da ONU, Guillermo Fernández Maldonado, foi chamado à Chancelaria para uma reunião com o ministro Denis Moncada, em um ambiente tenso e cheio de protocolo, de acordo com uma imagem exibida sem áudio pelo estatal Canal 6 de televisão.

A missão chegou à Nicarágua em 24 de junho e "comunicou ao governo a saída desta equipe (de quatro membros) em 1º de setembro", disse Fernández em coletiva de imprensa.

O funcionário se mostrou surpreso com a reação do governo: "não esperávamos que houvesse uma decisão neste sentido".

O organismo da ONU anunciou em uma nota à imprensa que "continuará o seu trabalho" de monitorar e informar sobre a situação de direitos humanos na Nicarágua "de maneira remota", conforme o seu mandato conferido pela Assembleia-Geral da ONU.

Também indica que continuará apoiando as vítimas e os familiares enquanto "reitera a sua disposição" de apoiar as autoridades para que a Nicarágua cumpra as suas obrigações internacionais de direitos humanos.

"Com a expulsão dos funcionários das Nações Unidas, Ortega pega pelo punho (a chilena Michelle Bachelet), que assumirá em poucos dias como alta comissária para os Direitos Humanos", tuitou José Miguel Vivanco, diretor da Human Rights Watch para as Américas.

A Anistia Internacional considerou que a decisão de Ortega "deixa em evidência os crimes cometidos e o seu desdém pelas obrigações internacionais" e adverte sobre uma estratégia de isolamento com intenção de "continuar a repressão".

A decisão do governo foi acompanhada de um ambiente de intimidação nas proximidades da sede da ONU em Manágua, onde foram mobilizados grupos de simpatizantes do governo com música de protesto e a explosão de potentes bombas artesanais.

De acordo com o governo, o convite à missão da ONU tinha como objetivo acompanhar o desmantelamento dos bloqueios de estradas mantidos pelos manifestantes contra o governo até julho, quando o regime os eliminou com uma violenta campanha denominada "operação limpeza".

O Conselho de Segurança da ONU analisará a crise da Nicarágua em 5 de setembro, segundo Fernández.

A opositora Frente Ampla pela Democracia (FAD) assinalou que a decisão do governo implica um "desconhecimento de suas responsabilidades derivadas da carta da ONU" e o responsabilizou por sanções que esse organismo possa vir a adotar.

- Decisão insólita -"Esta insólita decisão inoportuna e reflete o ânimo de uma pessoa que se sente completamente perdida, que já não pode ocultar suas responsabilidades e seguir ocultando a verdade", declarou a presidente do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh), Vilma Núñez, referindo-se a Orega.

Na véspera, o Alto Comissário para os Direitos Humanos da ONU pediu à comunidade internacional que adote medidas para frear a crise na Nicarágua, que vive um "clima de medo" após meses de violenta repressão às manifestações da oposição.

"A repressão e as represálias contra os manifestantes prosseguem na Nicarágua, enquanto o mundo olha para o outro lado", afirmou Zeid Ra'ad Al Hussein em um comunicado divulgado por ocasião da publicação do relatório.

"A violência e a impunidade dos últimos quatro meses demonstraram a fragilidade das instituições do país e do Estado de direito, o que gerou um contexto de medo e desconfiança", completou.

A vice-presidente Rosario Murillo disse a meios oficiais que "aqui não há espaço para o ódio e para continuar atentando contra a paz. Esse é um povo altivo que não abaixa a cabeça", sem citar a ordem contra a missão da ONU.

As manifestações da oposição na Nicarágua, governada desde 2006 pelo ex-guerrilheiro sandinista Daniel Ortega, começaram em abril contra uma reforma da Previdência - mais tarde abandonada. Os protestos foram ampliadas a todo o país como uma reação à violenta repressão, que deixou mais de 300 mortos e 2.000 feridos.

Entre as violações dos direitos humanos documentadas em um relatório do Alto Comissariado estão o "uso desproporcional da força por parte da polícia, que em alguns casos terminaram em execuções extrajudiciais, os desaparecimentos forçados, as prisões arbitrárias e generalizadas, as torturas e os maus-tratos".