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Gangues impiedosas definem as fronteiras invisíveis de El Salvador

03/12/2018 17h10

Soyapango, El Salvador, 3 dez 2018 (AFP) - Casas abandonadas, jovens e velhos confinados em espeluncas... As gangues ou "maras", como são chamadas na América Central, semeiam o terror em El Salvador, disputam bairros com violência e ameaçam famílias inteiras que têm como única escapatória o exílio.

O beco do diabo, caminho de aparência bucólica com o majestoso vulcão Chinchontepec ao fundo, é dominado por ervas daninhas e casas em ruínas engolidas pela vegetação tropical.

Os membros da mara que domina este setor de Soyapango, subúrbio de San Salvador, esvaziaram o lugar. Forçados a se deslocar, seus moradores agora vivem amontoados em casebres de zinco e madeira.

"Não lhes convêm que as pessoas os vejam. Os assediaram até que foram embora", explica à AFP um dos dois policiais, fortemente armados, que patrulham, temerosos, a região.

Surgidas nos anos 1980 e 1990 e com tentáculos na região e na Europa, a Mara Salvatrucha (MS) e a Barrio 18 contam com cerca de 70.000 integrantes em El Salvador, que se concentram às centenas em alguns bairros, segundo estimativas oficiais.

Cada bando tem seus próprios territórios. Os maras são "uma autoridade local, que exerce controle por meio da ameaça", explica Noah Bullock, diretor da Cristosal.

Segundo esta ONG de defesa dos direitos humanos, os deslocamentos forçados pela insegurança afetam "aproximadamente 230.000 pessoas" neste pequeno país de 6,2 milhões de habitantes, dos quais 33% são pobres.

- Acessos fechados, ruas desertas -Ao longo do beco do diabo, os muros de cor verde por causa da umidade estão cobertos de pichações: quem manda aqui é a Barrio 18. Seus homens também utilizam a passagem estreita como rota de fuga.

As recentes pinturas em homenagem a "Chicky" e "Kiko", mortos pela Polícia, dissuadem quem quer entrar ali.

Outros bairros de Soyapango sobrevivem sob o jugo da MS. É o caso de Las Margaritas, o mais populoso, com cerca de 80.000 habitantes.

Uma bandeira amarela limita sua entrada: com as pupilas dilatadas pelo consumo de maconha, um membro de uma gangue a ergue após obter luz verde de seu chefe pelo celular.

Apesar de ser época de férias escolares, o estádio de futebol de Las Margaritas está deserto. Cortinas opacas tapam as janelas do local. De vez em quando, afloram olhares desconfiados. Os adultos falam da gangue a contragosto, sem sequer pronunciar seu nome nem as siglas e a identificam simplesmente como "as letras".

Enumeram um rosário de dificuldades: falta de centros médicos, de coleta de lixo, ruas destruídas e sobretudo dificuldades na mobilidade para setores controlados por outras maras.

"Só o fato de vir de uma colônia ou outra (...) de sair para procurar trabalho é um delito", queixa-se José Martín Alas, de 55 anos, em cadeira de rodas desde que caiu de um telhado há cerca de 20 anos.

Suas três filhas, de 35, 29 e 27 anos, migraram para os Estados Unidos, onde sobrevivem "limpando casas, lavando banheiros, lavando trastes". Seus seis netos estão lá. "Não estão vivendo bem, mas estão seguros", avalia Alas.

- Partir, a única salvação -"Entre as colônias, há fronteiras invisíveis", destaca um estudante de antropologia de 23 anos, que não quer se identificar. Os gângsteres "recrutam à força ou te insultam, batem, roubam e até pior só por vir de outro bairro", acrescenta seu amigo desempregado.

"Para ficar vivo, é preciso sair deste gueto. Para sempre", murmura.

Os moradores de Las Margaritas nem mesmo se atrevem a se aventurar até o hospital situado a menos de dois quilômetros, em um bairro controlado pela 18. Então, uma vez por semana, esperam a brigada dos Médicos sem Fronteiras (MSF), em um modesto complexo esportivo.

A ONG organiza consultas semanais nestes bairros onde "o acesso à saúde nem sempre está garantido", devido ao "conflito social", explica Marça Roca, coordenador do programa "Fronteiras invisíveis", da MSF.

A brigada dispõe de ambulâncias para ir buscar doentes, feridos e grávidas em setores onde os taxistas não se arriscam.

Seus psicólogos tratam a depressão, recorrente devido às ameaças das gangues. Há "nos menores uma tendência a se relacionar, a se expressar com violência", acrescenta Roca.

- Extorsão, homicídios e desaparecimentos -Braço armado do crime organizado e reis de todo tipo de tráfico, as maras se financiam também com a extorsão. Poucas lojas e serviços ficam isentos do pagamento, que não poupa nem mesmo os motoristas de ônibus ou distribuidores de água. O botim anual é estimado em centenas de milhões de dólares.

Se antes os gângsteres se distiguiam por suas tatuagens espetaculares e roupas amplas, "foram mudando, foram se transformando. É uma estratégia para se infiltrar" em todas as partes e lavar seu dinheiro por meio de empresas fantasma, explica Vladimir Cáceres, porta-voz da Polícia.

Desde janeiro foram registrados 2.926 homicídios, 15% a menos que no mesmo período de 2017.

"O número de mortos sobe e desce (...), mas a taxa de homicídios continua sendo alta", lamenta Benjamin Cuéllar, do Grupo de Monitoramento Independente de El Salvador (GMIES) sobre a impunidade.

A taxa de homicídios é uma das mais altas do mundo: 45,5 por 100.000 habitantes, uma média de 9,2 casos por dia, segundo os últimos dados da Polícia.

A isto também se somam os desaparecimentos de testemunhas incômodas ou de quem se atreve a denunciar. "Há entre 1.000 e 1.500 pessoas desaparecidas ano a ano", detalha Bullock.

Na deteriorada delegacia de Ilopango, outra área crítica limítrofe de Soyapango, só os maras mais velhos ainda têm as letras MS gravadas na pele.

Trancados em grupos de até 12 em uma espécie de jaula de cinco metros quadrados que serve de cela, dormindo no chão de cimento, esperam seu julgamento. Com o olhar cruel ou atordoado pelo tédio, alguns estão ali há um ano, devido à falta de espaço nos presídios salvadorenhos.