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'Coletivos', a ameaça que domina a fronteira da Colômbia com a Venezuela

26/02/2019 17h19

Cúcuta, Colômbia, 26 Fev 2019 (AFP) - Eles suam e ofegam, mas pior do que a agonia é o medo. Eles precisam trabalhar, se abastecer, fugir da crise sufocante na Venezuela. E é por isso que arriscam suas vidas cruzando as "trilhas" que se conectam com a Colômbia, onde podem estar à mercê dos temidos "coletivos".

Rosa Gutierrez e seu marido andam depressa e sem olhar para trás através dessas passagens irregulares. Preciso "voltar porque tenho minha filha na Venezuela", explica o engenheiro civil de 38 anos à AFP, agitado pela correria e pelo implacável sol da cidade colombiana de Cúcuta.

Cruzaram na quinta-feira a Colômbia para assistir ao show para arrecadar fundos pelo país petroleiro, mas não contavam que o presidente Nicolás Maduro fecharia as passagens fronteiriças que levam ao departamento colombiano do Norte de Santander.

Do outro lado do rio reduzido a um fio de água pelo verão intenso, a filha de dois anos espera por eles sendo cuidada por parentes. Pelo caminho, os temidos "coletivos" ganham espaço.

Defensores do chavismo, esses grupos armados trabalham como grupos de choque durante distúrbios com opositores. Agora eles são vistos encapuzados e com pistolas na mão, rondando o lado venezuelano da fronteira com a Colômbia.

Por aqui "não é seguro", termina Rosa antes que o marido lhe peça para se apressar. Antes de entrar, ela lamenta a situação "muito triste" que seu país está vivendo e que a força a se mover como uma fugitiva.

- Tremer de susto - Os "coletivos" estiveram por trás da frustrada entrada na Venezuela, no sábado, da ajuda solicitada pelo opositor Juan Guaidó.

Por trás das forças do Estado que confrontavam os manifestantes que exigiam a entrada da assistência, eles lançavam pedras e bombas de gás, e alguns foram vistos atirando no lado colombiano.

Guaidó ordenou a retirada dos venezuelanos e dos caminhões que transportavam os bens básicos doados pelos Estados Unidos e seus aliados.

Os feridos foram contados em centenas. Bogotá ordenou o fechamento até terça-feira à noite das quatro pontes do Norte de Santander para avaliar os danos. As ações desses grupos reafirmaram sua temível fama em Cúcuta, onde dizem que cair em suas mãos pode ser uma sentença de morte.

"Estou muito nervosa, fico nervosa porque não conheço as pessoas que estão aqui, mas mesmo que eu não vá (...) estou sem trabalho", diz Alice Reyes, com voz trêmula.

Ela já havia pisado na Colômbia, mas ainda tremia. "Está faltando muito?", pergunta, duvidando que já estivesse em uma área segura. É a primeira vez que essa mãe de três filhos tem que atravessar irregularmente para fazer seu trabalho como professora em Cúcuta. Ela está atrasada e calcula cerca de 40 minutos de viagem, mas ele está segura.

- "Nenhum controle" -A ação dessas gangues já é conhecida fora da Venezuela. A chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, denunciou no domingo o governo de Chávez por usar "grupos armados" para intimidar civis.

Nos últimos três dias, mencioná-los em pontes de fronteira é sinônimo de terror.

Circulam boatos de militares ou policiais que queriam desertar e fugir para a Colômbia, mas foram pegos por eles na estrada. Às vezes a multidão é ouvida apoiando um estranho que está ultrapassando os limites. Se ele consegue, há folia, se os encapuzados o interceptarem, olhares longos.

E é comum que um residente na Venezuela que chega à Colômbia se recuse a ser filmado diante do medo de que os "coletivos" os retaliem ou a suas famílias.

"São particulares que estão armados e que andam para lá e pra cá sem qualquer controle", disse uma fonte da polícia colombiana à AFP. Até agora, eles não entraram em confronto com as autoridades colombianas e não há relatos de que eles puseram os pés na Colômbia, acrescentou.

Em Cúcuta existem trinta "trilhas", segundo a polícia. Mas a porosidade dificulta o controle total da fronteira, onde narcotraficantes e contrabandistas operam.

Ao longo do caminho de poeira, pedras e lama, Margarita Rueda caminha lentamente. É a primeira vez em 71 anos que ela passou por uma rota irregular, mas a necessidade de obter um remédio para dormir, que há três anos não existia na esgotada Venezuela, forçou-a a seguir esse caminho.

"É preciso deixar o medo", afirma, aferrada a sua fé. Ela e sua filha não tiveram incidentes.

José Guerra também diz não ter visto nada. O silêncio faz parte do código de terror.

Ele e as seis mulheres com as quais viaja, entre elas sua mãe e sua avó, se somaram na segunda-feira ao 1,1 milhão de migrantes venezuelanos que fugiram para a Colômbia pela crise.

"A ideia é produzir e trabalhar", diz este tatuador de 24 anos.

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