Topo

Jihadistas do EI se aferram a seu 'califado' em chamas

14/03/2019 16h22

Baghuz, Síria, 14 Mar 2019 (AFP) - Uma enorme cortina de fumaça envolve o acampamento. Apenas o som dos aviões e das metralhadoras quebram o silêncio. O "califado" está em chamas, mas os combatentes mais tenazes do grupo Estado Islâmico (EI), cercados em um pedaço de terra na Síria, resistem.

Ninguém sabe quantos são, mas os jihadistas conseguem lançar contra-ataques contra as Forças Democráticas Sírias (FDS) em Baghuz.

"Atacam em duas frentes, do Eufrates e da colina", explica o comandante Al-Jabal, no terraço de uma casa de dois andares utilizada como posição militar, a um quilômetro do acampamento jihadista.

Ele aponta para o rio, nos confins da Síria, mas a densa fumaça impede a visão.

À frente estende-se um grande terreno vazio que marca o início do acampamento jihadista, onde as FDS avançam. Pelo caminho, carros, vans e caminhões-tanque queimados.

Na quarta-feira, os jihadistas lançaram pelo menos dois contra-ataques com suicidas e artilharia para impedir o avanço das forças inimigas.

"Eles usam túneis, têm atiradores experientes", admite Al-Jabal, com um walkie-talkie em uma mão e outro em seu cinto.

Atrás dele, há uma imensa nuvem negra sobre o reduto jihadista. Vários depósitos de munição, atingidos pelos bombardeios, continuam a queimar, explica o comandante. O vento empoeirado do deserto alimenta o fogo.

"O EI recolheu armas e munições no terreno conquistado na Síria e no Iraque e as transportou para Baghuz", diz. "Eles têm metralhadoras, franco-atiradores, morteiros". "No momento, não aceitam a ideia de que perderam o Estado sonhado".

- "Vende-se galinhas" -Em 2014, o EI conquistou terras na Síria e no Iraque, assumindo o controle de um território do tamanho do Reino Unido, no qual proclamou um "califado".

Nele, estabeleceu sua própria administração, arrecadou impostos e cometeu múltiplas atrocidades.

Agora, resta apenas um punhado de terra com barracas.

Susa, Al Shaafa, Baghuz. Nesses vilarejos do vale fértil do Eufrates, arrebatados do EI, são muitas as casas em ruínas e montes de escombros entre os quais restaram morteiros não detonados.

As estradas têm crateras causadas pelos bombardeios aéreos da coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos que apoia as FDS.

Inscrições em uma parede lembram uma vida passada: "Vende-se galinhas", "Fábrica de cubos de gelo".

Nos últimos dias, os combates são travados à noite, com bombardeios aéreos e avanço terrestre. De madrugada, as horas de calma permitem que os jihadistas que querem se render e suas famílias deixem a área.

"Toda vez somos surpreendidos. A gente acha que não sobraram muitos jihadistas (...) mas então eles aparecem, saindo debaixo da terra", explica o combatente Salah el-Din.

Em outra posição das FDS em Baghuz, Masino Kobané, de 21 anos, retorna da frente com os olhos vermelhos e cansados depois de uma noite de combatentes.

Ele ingressou em 2014 nas Unidades de Proteção Popular (YPG), milícia curda e principal componente das FDS. Não vê sua família há três anos.

Conversa com sua família pelo telefone quando pode. "Coloquei na cabeça que não voltaria até que o EI fosse eliminado", declara este curdo, desculpando-se por seu árabe, hesitante.

Em uma casa ocupada pelas FDS, o EI deixou sua marca. Nas paredes, escreveu com tinta azul: "O Estado do Califado permanecerá".

"No começo, os combates eram violentos, havia muitos jihadistas", diz o jovem, de suéter cinza e calça camuflada.

Ele está em Baghuz há três meses. Antes, lutou para defender sua cidade natal, Kobane, no norte da Síria. Foi uma das primeiras e mais árduas batalhas travadas pelos curdos e uma derrota simbólica para o EI.

"Muitas vezes pensei que não seríamos capazes de recuperar Kobane", confessa ele. "Mas os camaradas a reconquistaram".

Ele reconhece, no entanto, que "os camaradas" estão "um pouco cansados depois de todas essas batalhas".

E quando o EI for derrotado, qual é o seu sonho? Ver seus parentes e encontrar trabalho. Em Kobane.