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Aprender a pescar e caçar: a saída dos venezuelanos para se alimentar

Um pescador venezuelano checa quantos peixes capturou com sua rede no lago de Maracaibo  - JUAN BARRETO/AFP
Um pescador venezuelano checa quantos peixes capturou com sua rede no lago de Maracaibo Imagem: JUAN BARRETO/AFP

20/03/2019 16h04Atualizada em 20/03/2019 17h32

Os peixes que Juan Maurice pesca são tão pequenos que só podem ser consumidos fritos. Vítima da terrível crise venezuelana, o pedreiro tenta a sorte pescando nas águas poluídas do Lago de Maracaibo para ter o que comer.

Pesava 75 quilos e nos dois últimos anos diz ter perdido 16. Por necessidade, se aventura com seu tio Alfredo a lançar uma velha rede que ambos arrastam com dificuldade por cerca de 100 metros.

"Hoje podemos estar aqui e amanhã podemos estar no monte buscando coelhos e iguanas", relata à AFP Juan, de 35 anos.

Ele tirou 20 filhotes de "carpeta", peixe que pode chegar a 30 centímetros, mas os seus medem apenas oito. Também capturaram um pequeno caranguejo azul e três peixes agulhões raquíticos, cujo consumo é inusual.

Juan vivia com certo conforto com seu salário como pedreiro e soldador nesta região petroleira. "Antes meu salário dava para comer, para guardar, para trazer presentinhos para casa, dava para tudo", relata enquanto desenreda os peixes.

Com uma economia reduzida à metade desde 2014 e uma inflação projetada pelo FMI em 10.000.000% para este ano, o emprego é escasso e não há bolso que aguente.

Por isso depende de "bicos" para levar comida a seus sete filhos, "todos magrinhos", conta.

Juan e a sua família pescam em San Francisco, município vizinho de Maracaibo, cujas costas são cobertas por constantes derramamentos de petróleo, que abunda na Venezuela como em nenhum outro país.

"Não sabemos se isso (os peixes agulhões) é comível ou não, mas devido à situação, nos arriscamos e comemos", disse sobre a espécie.

Em uma praia próxima, um grupo de crianças e jovens aprendizes também pesca. A caça de pombos, coelhos, veados, antes uma diversão, é feita agora diante da impossibilidade de visitar as carniçarias pelos altos preços, contam.

"Tudo em dólares"

Marcy Chirinos caminha entre ruas desoladas do centro de Maracaibo, dias depois do apagão de 7 de março, o pior já vivido na Venezuela. Cinco dias de escuridão levaram o caos, no qual cerca de 500 negócios foram saqueados no estado de Zulia (oeste).

"Agora não tenho nada para comer", se queixa Marcy, que cobre sua cabeça com um trapo velho para proteger-se do forte sol desta região onde as falhas elétricas somam uma década.

Como faxineira da prefeitura de Maracaibo, ela ganha o salário mínimo, equivalente a seis dólares que dão para dois quilos de carne. "Não é possível que se viva assim, tenho que vestir roupas sujas porque não tenho água e não dá para comprar detergente", reclama.

Mas o seu maior problema é a falta de comida. Muito magra, tenta ajudar com a alimentação de seus cinco netos, um desafio quase impossível.

"Se vendem algo, é caríssimo, o arroz, a farinha... e agora querem vendê-los por dólares, não pode ser, onde vou encontrar dólares?", se pergunta Marcy.

Os saques pioraram as dificuldades, pois a maioria dos comércios continuam fechados.

"A roupa já não me serve mais", conta, mostrando as calças largas e desgastadas. "O que pouco que conseguimos é para as crianças. Vou deitar pensando que precisamos de um milagre de Deus".

"A fome me dá dor de cabeça"

Ana Angulo observa uma fileira de lojas fechadas no outrora próspero coração comercial de Maracaibo. Com cabelos brancos, é difícil ouvi-la por causa da suavidade de sua voz.

"Olhe para esta solidão, isso é para morrer", diz com olhar triste. Aos 77 anos, ela não se lembra de precariedade semelhante. "A fome me dá dor de cabeça", diz.

Com Hugo Chávez, que presidiu o país entre 1999 e 2013, "não se via isso". "Chávez nos dava, Chávez era muito bom", assegura ao se queixar da fome sentida por sua família em meio à crise durante o atual governo de Nicolás Maduro.

"A fome mata", diz em voz baixa.

Em outro ponto da cidade, Jaime Romero, de 31 anos, conduz a velha cadeira de rodas para que alguém lhe dê ajuda. "Temos que sair para buscar alguém que nos dê comida", diz.

Antes do anoitecer, Juan Maurice voltará a uma praia cheia de lixo e restos de petróleo para tentar conseguir peixes maiores ou camarões. "Me sinto mal porque nunca tinha me visto assim. Tudo está caótico".