Famílias agora buscam parentes desaparecidos em redutos jihadistas
Sharan, Síria, 29 Mar 2019 (AFP) - Abdelsalam al Mohamed recorreu às autoridades curdas quando ficou sabendo da queda do califado do grupo Estado Islâmico (EI) na esperança de que tivessem encontrado seu filho, detido pelos jihadistas há cinco anos. Não conseguiu resposta.
"Pensamos 'Baghuz cairá, ele voltará'. Mas, por enquanto, não voltou", afirma com tristeza este pai alguns dias depois, referindo-se ao último reduto do EI conquistado há quase uma semana por uma força curdo-árabe.
Na aldeia curda de Sherane, no noroeste da Síria, um país em guerra, a dor e a decepção ofuscam o alívio que sentiram com a queda do protoestado do EI.
Aqui, muitas famílias continuam buscando um parente desaparecido após terem cruzado o caminho dos jihadistas que semearam o terror durante mais de quatro anos na Síria e no Iraque.
Sentado no pátio de sua casa, Abdelsalam al Mohamed, conta que seu filho de 19 anos, Mohamed, foi embora em 18 de fevereiro de 2014 em um comboio de 150 pessoas, com destino ao Iraque, para procurar trabalho. Foram parados pelos extremistas em um posto de controle ao longo do trajeto.
Todos acabaram na prisão de Raqa, a ex-capital "de facto" dos jihadistas no norte da Síria. Nove meses mais tarde, metade foi solta.
"Por enquanto, não temos notícia nenhuma", lamenta o pai.
Quando as Forças Democráticas Sírias (FDS) proclamaram o fim do "califado" jihadista em 23 de março, alguns moradores foram à administração curda da cidade de Kobane. "Nos disseram que não havia informação", lamenta.
- "Mais difícil do que a morte" -Neste povoado de camponeses, a dor está onipresente.
Cada morador tem uma história de desaparecimentos e mortos para contar.
"Quando alguém morre, sabemos que se foi. Mas isso é mais difícil do que a morte", acrescenta Abdelsalam, com um cigarro nas mãos.
Acusa-se o EI de ter sequestrado milhares de pessoas desde sua meteórica ascensão em 2014, segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH). Os sírios são maioria, mas também há estrangeiros, como o jornalista britânico John Cantlie, ou o padre jesuíta italiano Paolo Dall'Oglio.
Durante os combates no leste da Síria, várias ONGs, veículos de comunicação e até um porta-voz das FDS mencionaram a possibilidade de encontrar desaparecidos.
Até o momento, nada. Foram soltos apenas dezenas de combatentes das FDS, sequestrados pelo EI.
Segundo Nadim Houry, da Human Rights Watch (HRW), é preciso "criar um comitê para investigar o destino dos desaparecidos", como se fez em outras guerras.
Em Raqa e na província de Deir Ezzor, foram encontradas fossas comuns que têm milhares de corpos. A HRW pede ajuda internacional para que as equipes locais possam desenterrar e identificar esses restos mortais, sobretudo, com amostras de DNA.
Este é um processo crucial para que as famílias comecem o luto.
- Sem rastro -Adnan Ibrahim quer saber o que aconteceu com seu irmão mais novo, Hekmat. Em maio de 2014, quando voltava de ônibus, o jovem de 28 anos foi detido pelos jihadistas perto de Manbij (norte). A família perdeu seu rastro.
"Quando algum (um prisioneiro) voltava de onde o EI estava, íamos vê-lo para tentar ter notícias", conta Adnan, de 56. "Temos esperança, mas é difícil", completou.
No pátio de paredes azuis de sua casa, sua mãe octogenária reza de joelhos. Depois do desaparecimento de Hekmat, ela foi duas vezes a Manbij, então sob controle do EI, para tentar conseguir sua libertação, mesmo sem falar árabe, apenas curdo. Os jihadistas a expulsaram.
Ela se levanta com dificuldade para ir buscar uma foto de seu filho tirada durante o serviço militar. Seus olhos estão cheios de lágrimas.
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