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Guerras, depressão, suicídio: os veteranos dos EUA encontram conforto

13/06/2019 16h56

Center Moriches, Estados Unidos, 13 Jun 2019 (AFP) - Roger King tinha 19 anos quando se alistou nos fuzileiros navais, em 2005. Saiu em 2009, após duas temporadas no Iraque e quando a bala de um francoatirador quase lhe tirou a vida.

Mas isso não foi nada em comparação com os problemas que teve quando entregou o uniforme. Estado de hipervigilância permanente, ansiedade, dificuldade para estar em grupo: sofria de transtorno de estresse pós-traumático (PTSD) e traumatismo cranioencefálico, dois males que afetam os veteranos do primeiro exército do mundo, envolvidos desde 2001 em intermináveis conflitos no Iraque e no Afeganistão.

King, hoje com 33 anos, começou a beber, ficou deprimido. Conta que tentou se suicidar duas vezes.

Russell Keyzer, de 42 anos, se alistou na Guarda Nacional americana justo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001.

Com lembranças recorrentes, insônia ou crise de pânico, Keyzer também sofreu os sintomas do PTSD após dois anos na força internacional da Otan em Kosovo, onde períodos de relativa estabilidade se alternavam com distúrbios violentos.

Após seu regresso em 2008, se afundou no álcool e na depressão. Seu casamento acabou, ficou sem casa. Sete vezes tentou pôr fim a seus dias, contou.

Hoje ambos dizem que estão melhor, em parte graças a uma terapia de grupo para ex-combatentes, o Joseph Dwyer Project, uma associação criada em 2012 na península de Long Island, no estado de Nova York, em homenagem a um herói da guerra no Iraque que se suicidou após seu retorno, em 2008.

Eles relataram seus períodos difíceis em um recente "dia de bem-estar" organizado pela associação em um parque de Center Moriches: piquenique, saudação à bandeira, ioga, meditação, caiaque... Uma série de atividades destinadas a alimentar o sentimento de segurança e companheirismo.

Uma associação deste tipo "deveria ter sido criada há muito tempo", diz King, hoje animador de uma filial do Dwyer Project que reúne a cada semana uma dezena de veteranos.

"Pensamos em Alcoólicos Anônimos, em Narcóticos Anônimos, mas ninguém havia pensado que a mesma coisa funcionaria para os ex-combatentes (...), que haja amizade e camaradagem entre diferentes gerações".

"Se tivessem existido recursos adaptados quando regressamos, não teríamos chegado a este ponto, não teríamos caído nas drogas e no álcool", ressalta Keyzer. "Mas as coisas melhoram lentamente, há cada vez mais programas para os veteranos".

- Longe de estar orgulhosos -Grupos de apoio psicológico como o Dwyer Projet se multiplicam nos Estados Unidos, prova dos esforços da primeira potência mundial para ajudar seus 20 milhões de ex-combatentes - cerca de 10% da população adulta americana - a superar suas dificuldades e inclusive seus impulsos suicidas.

Entre 2008 e 2016, mais de 6.000 veteranos se suicidaram por ano, segundo um informe publicado no fim de 2018 pela secretaria americana para ex-combatentes.

Em 2014, a cifra correspondeu a 20 suicídios por dia.

Em comparação, 6.951 militares americanos morreram em operações entre 2001 e 2018, segundo uma análise recente da Universidade Brown.

Neste contexto, a secretaria para ex-combatentes, que administra cerca de 1.200 hospitais e policlínicas reservadas aos veteranos, fez da prevenção do suicídio uma prioridade nacional, e implementou uma linha telefônica que está entre as mais solicitadas do mundo.

Lançada em 2007 com 14 pessoas, conta agora com três centros de chamadas e mais de 900 funcionários em todo o país, indicou à AFP seu diretor, Matt Miller.

Meio século depois da guerra do Vietnã, e 17 anos depois do início da intervenção americana no Afeganistão, "há uma maior tomada de consciência" das necessidades dos veteranos, embora ainda "reste muito por fazer", estima Marcelle Leis, diretora do Dwyer Project após 20 anos na Guarda Nacional.

Quando os veteranos enfrentam problemas "não estão acostumados a pedir ajuda (...) Uma grande parte de nosso trabalho consiste em ensiná-los a pedir ajuda, mostrar a eles que ser forte também é isso".

King, hoje casado e pai de um bebê de três meses, tem projetos para o futuro: acaba de concluir uma licenciatura em História e espera em breve ser professor de ensino médio.

Embora sinta falta da adrenalina do combate, aos fins de semana trabalha como bombeiro para encontrar a mesma sensação.

"Quando toca a sirene, sinto o sangue subir: saio para salvar alguém!", diz sorrindo.

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