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Após 25 anos, Argentina ainda espera justiça por ataque centro judaico

17/07/2019 16h47

Buenos Aires, 17 Jul 2019 (AFP) - No dia 18 de julho de 1994, às 9h53, uma bomba explodiu na sede do centro judaico Amia matando 85 pessoas em Buenos Aires. Vinte e cinco anos depois, o ataque mais sério na história argentina permanece impune, enredado em questões geopolíticas e num emaranhado judicial .

"O que me vem à mente quando penso nisso é aquele momento de escuridão, um momento que se tornou interminável, um ruído, mas também um silêncio nosso, daqueles que estavam lá. Creio que nossas mentes não podiam entender", relembrou à AFP Anita Weinstein, sobrevivente da explosão e que trabalhava na Amia.

"Este atentado, apesar de ter um alto componente antijudeu, antissemita, o que é claro, foi um atentado contra a Argentina e a sociedade argentina", enfatizou Anita que anos depois voltou a trabalhar na entidade que teve seu edifício reconstruído no Once, um bairro comercial judaico comercial no centro de Buenos Aires.

Uma caminhoneta carregada de explosivos atingiu o edifício onde funcionavam a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia) e a Delegação das Associações Israelitas Argentinas (Daia). Além das 85 vítimas fatais, com idades entre 5 e 73 anos, 300 ficaram feridas.

Nesta quarta-feira, três murais comemorativos serão inaugurados no Hospital de Clínicas, localizado ao lado da Amia, onde foram atendidas as vítimas do ataque. A quinta-feira foi declarada dia de luto nacional.

- Segundo atentado -A Argentina, que conta com uma comunidade judaica com 300 mil pessoas, a segunda maior da América atrás dos Estados Unidos, é o único país da América Latina a registrar um atentado antissemita.

Em um contexto de extrema tensão entre Israel e Irã, Buenos Aires sofreu outro ataque dois anos antes: no dia 17 de março de 1992, uma bomba foi lançada contra a embaixada de Israel, deixando 29 mortos e cerca de 200 feridos.

A autoria do atentado à Amia foi creditada ao movimento xiita libanês Hezbollah e ao Irã.

Ariel Eichbaum, presidente da Amia, espera que a Argentina declare o Hezbollah como organização terrorista. "As nações não podem tolerar de maneira alguma que o terrorismo tenha fontes de financiamento em seus países ", disse.

- Emaranhado judicial -A Justiça argentina acusa funcionários de alta hierarquia no governo iraniano de terem planejado o ataque, mas não foi capaz de interrogá-los.

Um memorando de entendimento com o Irã assinado em 2012 pela ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015) buscou, segundo seus autores, superar esse entrave, mas nunca foi aplicado e agora é investigado judicialmente como um caso de encobrimento e traição.

Outro julgamento contra a alegada "conexão local" que forneceu a logística para o ataque foi cancelado, quando foi verificado que o juiz responsável pagou a um dos envolvidos para acusar falsamente um grupo de policiais e liberar o primeiro acusado.

Com isso, foi deixada de lado a investigação da chamada "pista síria", que ligava o ataque a famílias próximas ao ex-presidente Carlos Menem (1989-99).

Por essa operação, o ex-juiz Juan José Galeano foi condenado a seis anos de prisão em 28 de fevereiro por desvio da investigação. Menem foi absolvido, mas seu ex-chefe de inteligência Hugo Anzorreguy foi sentenciado a quatro anos de detenção.

As organizações de parentes das vítimas eram demandantes e denunciavam o acobertamento, em confronto com as autoridades da comunidade judaica, alinhadas com o governo de direita de Israel.

"A justiça fracassou rotundamente. São 25 anos do ataque e a realidade é que não temos nada", deplora Diana Malamud, esposa de uma das vítimas e líder do grupo de familiares Memória Ativa.

Antes de assumir a presidência em 1989, Menem havia oferecido a países árabes que colaboraram no financiamento de sua campanha a venda de tecnologia militar e insumos nucleares ao Irá, o que não cumpriu após se alinhar aos Estados Unidos na política externa. Entre outras hipóteses, suspeita-se que o ataque poderia ser uma vingança por esses compromissos não cumpridos.

- Causa "parada" -"Assim que o ataque ocorreu, Israel disse que a autoria era do Irã, o que pode ter sido verdade, mas na lógica legal argentina devemos procurar os passos que nos permitam provar isso", disse à AFP Jorge Elbaum, presidente do Llamamiento Argentino Judío, uma organização que está em conflito com a liderança do Daia.

Alinhado com o Memória Ativa, que denuncia encobrimento, Elbaum afirma que "tudo foi muito mal feito" e "a deterioração processual torna muito difícil fazer acusações críveis".

Mario Cimadevilla, que esteve à frente de uma secretaria para investigar o caso mas que abandou o cargo em seguida, defende que "o poder político não tem nenhum interesse em avançar na Causa Amia; a causa está parada há anos".

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