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Hungria: da destruição da Cortina de Ferro ao muro de Orban

16/08/2019 15h03

Budapeste, 16 Ago 2019 (AFP) - O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, estará no centro de todos os olhares, na próxima segunda-feira (16) por ocasião do 30º aniversário do desmantelamento da Cortina de Ferro, o que contrasta com seu empenho em construir novos muros nas fronteiras do país.

Neste 19 de agosto em Sopron, uma pequena cidade limítrofe com a Áustria, será realizada a comemoração oficial do "piquenique pan-europeu" celebrado em 1989.

Este evento marcou a primeira fissura no bloco que dividiu a Europa em dois, após a Segunda Guerra Mundial, e deu lugar à fuga em massa de cerca de 600 alemães do Leste, através da Hungria.

Naquele ano, quando os regimes comunistas desmoronaram no Leste Europeu, Orban, então um jovem opositor político, adquiriu grande notoriedade com um discurso para uma multidão em Budapeste, no qual exigia a saída das tropas soviéticas.

Embora seus críticos considerem que seu papel nos eventos daquele ano tenha sido exagerado, seu apelo à "democracia cidadã" teve um forte eco.

O processo de abertura das fronteiras então iniciado terminou em 2004 na entrada da Hungria e de vários de seus vizinhos na União Europeia.

Os húngaros foram os que exerceram com maior entusiasmo seu novo direito a se deslocarem livremente.

Hoje, segundo a Eurostat, cerca de 350.000 húngaros em idade de trabalhar vivem em outros lugares da Europa, de um total de expatriados avaliado em quase 500.000, para uma população nacional de pouco menos de 10 milhões de habitantes.

- Islamofobia -Nos anos posteriores à queda do comunismo, a questão da imigração na Hungria foi relegada para segundo plano, diante do fenômeno da emigração para a parte ocidental do continente.

Nesta época, a política aplicada à entrada de estrangeiros em seu território, especialmente a concessão do direito de asilo, era totalmente liberal.

No final dos anos 1980 e na década de 1990, milhares de húngaros de origem que fugiam da Romênia foram recebidos com os braços abertos, assim como pelo menos 50.000 pessoas deslocadas pela guerra na ex-Iugoslávia, incluindo muitos muçulmanos da Bósnia.

A esse respeito, Boldizsar Nagy, da Universidade da Europa Central, destaca que, à época, ninguém questionava a legitimidade da obtenção do direito de asilo, um contraste com a islamofobia que marca o discurso público hoje na Hungria.

"A guerra na Iugoslávia acontecia em um país vizinho. Nas cidades do sul, podia-se ouvir os bombardeios" do outro lado da fronteira, explica.

"Sabíamos, na Hungria, que essas pessoas que chegavam [...] deviam ser protegidas", acrescentou.

Em contrapartida, quando se tratou de autorizar a estada permanente neste país, todos os governos que se sucederam depois de 1989 deram preferência aos húngaros de origem que vinham dos Estados limítrofes.

Esta atitude se agudizou, quando Orban virou primeiro-ministro, cargo que ocupou de 1998 a 2002, voltando em 2010. Mesmo antes da crise de 2015 do êxodo em massa de migrantes para a Europa, ele já havia endurecido sua retórica contra a imigração proveniente de outras regiões do mundo.

- 'Soberania' -Embora a Hungria tenha permitido, no início, que milhares de estrangeiros atravessassem seu território para chegar à Europa Ocidental, o governo depois construiu cercas de arame farpado ao longo de sua fronteira sul. A medida ajudou a polícia a "empurrar" os migrantes para a Sérvia.

Para Zoltan Ziszelly, do "think tank" de tendência conservadora Instituto do Século XXI, aqueles que veem uma contradição entre as posturas de Orban em 1989 e em 2015 não entenderam seus motivos.

Há 30 anos, sua preocupação era "a soberania da Hungria", mais do que uma abertura das fronteiras, afirma Zoltan.

Orban explicou esta ideia em um discurso no Parlamento da Baviera em outubro de 2016: "A abertura das fronteiras em 1989 e a proteção destas fronteiras hoje são duas faces de uma mesma moeda".

Em 1989, "lutávamos pela liberdade da Europa e agora protegemos esta liberdade", acrescentou.

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