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Reformas anunciadas pelo governo não impedem protestos no Líbano

22/10/2019 10h10

Beirute, 22 Out 2019 (AFP) - Os libaneses pareciam decididos a não se render, nesta terça-feira (22), no sexto dia de protestos contra a classe política, apesar das reformas urgentes anunciadas ontem pelo governo.

Após anos de paralisia política, os anúncios não surtiram o efeito esperado.

Hoje pela manhã, novas barricadas foram erguidas em várias vias do centro de Beirute, enquanto nas redes sociais ecoavam as convocações para novos atos em diferentes cidades.

Os bancos continuavam fechados, e o país se mantém parcialmente paralisado. Um pequeno grupo de voluntários se orgulhava de limpar o coração de Beirute, antes da chegada dos primeiros manifestantes do dia.

"Estas manifestações são uma oportunidade para o povo. Estaríamos loucos, se déssemos uma oportunidade ao governo. Como dar essa chance, se tiveram 30 anos para agir?", questionou um senhor em entrevista a uma emissora de televisão local, em Tiro, cidade de maioria xiita, no sul do país.

Como aconteceu no final da guerra civil, em 1990, as infraestruturas do país estão em decadência, e os libaneses enfrentam cortes diários de água e de energia elétrica.

- Quem é a voz das ruas? -Na segunda-feira, a multidão de manifestantes acolheu com uma mistura de ceticismo e de raiva os anúncios do primeiro-ministro Saad Hariri, que apresentou um conjunto de medidas contra a corrupção, a promessa de não instituir mais impostos, um programa de privatizações para otimizar os serviços públicos e ajudas sociais para os mais desfavorecidos.

Quando Hariri terminou seu discurso, a multidão de manifestantes começou a gritar palavras de ordem, reivindicando a renúncia imediata de toda classe política: "Todos quer dizer todos!".

"Hariri apresentou seu plano, as ruas seguem mobilizadas", resumia o jornal "L'Orient Le Jour".

"Ouvindo as primeiras reações, parece que as ruas não morderam a isca", disse à AFP o pesquisador e professor de Ciência Política Karim el Mufti.

Segundo ele, serão necessárias "medidas muito mais radicais", para além de anúncios econômicos de urgência, para convencer os libaneses, que exigem que "se compartilhe, de verdade, a carga em época de crise" e que o sistema seja transformado em sua estrutura.

Heiko Wimmen, analista para o International Crisis Group, concorda. "Trata-se de medidas que podem melhorar a situação orçamentária do país, mas que não estão à altura do desafio colocado pelos manifestantes".

Consciente da amplitude do fenômeno, ontem, Hariri tentou acalmar os ânimos dos manifestantes, garantindo que seu plano não era uma "moeda de troca" para conter os protestos. O governo "não pretende lhes pedir que parem de se manifestar e expressar sua indignação", declarou.

Nesta terça, os rumos do movimento pareciam incertos. Para Karim el Mufti, deflagrou-se uma "queda de braço" entre as ruas e o poder. "A opinião pública se sentou à mesa dos adultos, sem ser convidada, e tem a intenção de ficar", afirmou.

O movimento carece, contudo, de líderes capazes de representá-lo para discutir uma alternativa política, acrescenta Karim. "Se o governo, o Parlamento e o presidente não representam as ruas, qual é a alternativa? O vazio não é uma opção", completou.

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