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Presidente do Haiti não se agarra ao poder nem oferece respostas para crise

23/10/2019 16h11

Porto Príncipe, 23 Out 2019 (AFP) - No Haiti, país imerso em uma crise política e social há um ano, opositores pedem diariamente em manifestações de rua a renúncia do presidente Jovenel Moise, acusado de ser corrupto e incompetente.

O presidente não dá, porém, sinais de renúncia, nem apresenta um plano concreto para sair dessa situação que paralisa o país mais pobre das Américas.

Em uma entrevista exclusiva à AFP, consultado sobre se considera terminar de forma antecipada seu mandato, Moise disse que não está "agarrado ao poder", mas "agarrado às reformas, porque o país sofreu por muitas décadas".

Para Moise, as prioridades são uma reforma constitucional, aduaneira e do setor energético, e a informatização da gestão governamental.

No final de agosto, os protestos por uma escassez nacional de combustível se tornaram violentos e derivaram em uma pressão crescente contra o presidente. Ele assumiu em 2017, após uma eleição que muitos classificam como fraudulenta.

As manifestações se multiplicaram e, nas últimas semanas, vários grupos sociais e associações profissionais, incluindo movimentos de artistas e estudantes universitários, foram às ruas para protestar.

Na terça-feira, o último grupo a se somar aos pedidos de renúncia foram os católicos, que marcharam rezando pelas ruas da capital Porto Príncipe.

O diálogo com a oposição foi rompido, e a frágil economia começa a sofrer. Com a falta de atividade, muitas empresas, especialmente os hotéis na capital, demitiram centenas de trabalhadores.

"É verdade, há um problema", reconheceu Moise. "As pessoas estão fartas, exasperadas". "Mas devemos ver como podemos tirar proveito dessa crise, como fazer dessa crise uma oportunidade", acrescentou.

Segundo o presidente, esse processo exige "transcender o eu, a sabedoria e serenidade".

- "Buscando trabalho" - A tensão no Haiti obrigou a fechar as escolas, que já estão sem atividades há mais de um mês.

Moise convocou seus "irmãos e irmãs da oposição" a trabalharem junto ao governo para acordar uma trégua e recomeçar as aulas.

"Estamos trabalhando para restaurar a paz, para que o povo haitiano recupere a serenidade e para que as crianças possam retornar à escola", insistiu.

Ele não apresentou com clareza, porém, nenhuma medida de emergência para lidar com as gangues, que assaltam e cobram "pedágio" nas ruas.

"As pessoas que exigem dinheiro nas ruas, que fazem barricadas, estão buscando trabalho", disse Moise, acrescentando que a Polícia não dá conta. A força conta com 20 mil homens em um país de 12 milhões de habitantes.

Antes de a crise chegar a seu ponto de ebulição, Moise era acusado de corrupção.

No final de maio, o Tribunal Superior de Contas do Haiti apresentou um relatório após uma auditoria que acusa o presidente de dirigir um "esquema de desvio de recursos", vinculado à má administração de mais de 2 bilhões de dólares de ajuda enviada pela Venezuela.

Entre 2008 e 2018, o Haiti foi parte do programa Petrocaribe, uma iniciativa do falecido presidente da Venezuela Hugo Chávez que permitiu a vários países latino-americanos e caribenhos comprarem petróleo a preços vantajosos.

Manchado por denúncias de corrupção que também afetam quatro governos haitianos antes de Moise, o programa está suspenso há mais de um ano, em consequência da deterioração das relações entre Venezuela e Estados Unidos.

Depois do resultado da auditoria, Moise pediu ajuda à Organização dos Estados Americanos (OEA) para efetuar uma análise contábil similar sobre o Petrocaribe. Seus críticos avaliaram esse movimento como uma tentativa de driblar e desafiar a Justiça do Haiti.

"Alguns acham que representa uma ingerência em assuntos de Estado, mas nós somos membros fundadores da OEA", disse Moise.

"Não é um problema de confiança, ao contrário", defendeu-se Moise. "É para infundir confiança em todo mundo, para dizer a todo mundo: é preciso um processo justo, é preciso um processo onde não haverá uma caça às bruxas nem uma perseguição política".

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