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Morales renuncia por pressão das ruas e dos militares

11/11/2019 05h11

La Paz, 11 Nov 2019 (AFP) - A renúncia, neste domingo (10) do presidente boliviano, Evo Morales, devido a protestos contra sua contestada reeleição e da perda de apoio das Forças Armadas, foi comemorada nas ruas do país, em meio a um vácuo de poder e à denúncia de Morales de uma ordem de prisão contra ele, o que as autoridades negam.

"Renuncio a meu cargo de presidente para que (Carlos) Mesa e (Luis Fernando) Camacho não continuem perseguindo dirigentes sociais", disse Morales em Cochabamba, em discurso televisionado, referindo-se a líderes opositores que convocaram protestos contra ele, desde o dia seguinte às eleições de 20 de outubro.

O primeiro presidente indígena da Bolívia, forjado politicamente como sindicalista cocaleiro, defendeu seu legado que, segundo ele, levou progresso econômico e social a um dos países mais pobres da América Latina.

"Estamos deixando a Bolívia com muitas conquistas sociais", disse em sua mensagem de renúncia o presidente de 60 anos, que assegurou que não abandonaria o país.

Morales denunciou durante a noite a existência de uma ordem de prisão "ilegal" contra ele, uma afirmação negada pelo chefe de polícia, o general Yuri Vladimir Calderón.

Porém, o líder de direita Luis Fernando Camacho, que comandou o movimento de protesto contra Morales, confirmou no Twitter a ordem de detenção.

A praça Murillo de La Paz, onde fica o Palácio Quemado, antiga sede do governo, foi tomada por bolivianos que comemoravam a renúncia de Morales, que governou a Bolívia por quase 14 anos, um recorde nacional de permanência no poder.

"Este sonso, que não sabe pensar, saiu pela janela; que bom, estamos felizes", disse à AFP a comerciante Reggina Sojas, de 61 anos.

Ao mesmo tempo, um grupo tentava arriar a 'whipala', bandeira multicolorida xadrez que identifica os povos andinos, que a polícia retirou dos principais edifícios públicos.

Durante a noite foram registrados atos violentos em La Paz e na cidade vizinha de El Alto, com incêndios em ônibus municipais e nas casas de um líder cívico e de uma jornalista, denunciaram os afetados.

- Vácuo de poder -Os resultados de uma auditoria da Organização dos Estados Americanos (OEA) divulgados no domingo, que apontavam "sérias irregularidades" nas eleições, desencadearam os acontecimentos que levaram à renúncia de Morales.

Durante a manhã, ao tomar conhecimento do relatório, o agora ex-presidente anunciou novas eleições, mas a notícia não foi suficiente para conter a ira da oposição.

Morales enfrentou durante o domingo uma avalanche de renúncias de altos funcionários, em alguns casos depois de terem tido suas casas incendiadas, e pela pressão decisiva dos militares e da polícia, que pediram sua renúncia.

"Pedimos ao presidente de Estado que renuncie a seu mandato presidencial permitindo a pacificação e a manutenção da estabilidade, pelo bem de nossa Bolívia", disse o comandante-em-chefe das Forças Armadas, o general Williams Kaliman.

Após a renúncia de Morales, a polícia prendeu a presidente do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), María Eugenia Choque, e outros funcionários do organismo por ordem do Ministério Público, que investiga irregularidades cometidas nas eleições.

A Bolívia vive agora um vácuo de poder, pela renúncia de todas as autoridades que formavam a linha de sucessão constitucional.

A Constituição boliviana prevê que a sucessão começa com o vice-presidente, depois passa para o titular do Senado e depois para o titular da Câmara dos Deputados, mas todos eles renunciaram com Morales.

A segunda vice-presidente do Senado, a opositora Jeanine Añez, reivindicou o direito de assumir a presidência da Bolívia.

- Cuba e Venezuela denunciam "golpe" -Os principais aliados ideológicos de Morales na América Latina, Cuba e Venezuela, denunciaram o que consideram ter sido um "golpe de Estado".

"Condenamos categoricamente o golpe de Estado consumado contra o irmão presidente @evoespueblo", escreveu no Twitter o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.

A embaixada da Venezuela em La Paz foi tomada durante a noite por homens encapuzados, anunciou a diplomata Crisbeylee González.

Da Argentina chegaram duas mensagens distintas. O governo de Mauricio Macri pediu a preservação da paz social e do diálogo na Bolívia, mas o presidente eleito, o peronista de centro-esquerda Alberto Fernández, denunciou um "golpe de Estado produto da ação conjunta de civis violentos, policiais auto-aquartelados e a passividade do exército". O Perú pediu uma "transição" democrática de poder.

Apesar de Morales ter afirnado que não abandonaria a Bolívia, o México ofereceu asilo", anunciou o chanceler Marcelo Ebrard, que falou em "20 personalidades do Executivo e do Legislativo da Bolívia" asiladas na embaixada mexicana na capital boliviana.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, pediu a "todos os atores relevantes que se abstenham da violência para reduzir a tensão e exercer a máxima moderação".

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